Título: Receita descobre fraude de até R$ 6 bi
Autor: Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2005, Economia, p. B3

A Receita Federal descobriu que 3.500 empresas compensaram indevidamente créditos inexistentes para quitar impostos e dívidas fiscais. O valor da fraude descoberta é de R$ 3,1 bilhões, mas pode chegar a R$ 6 bilhões. É que outras 3 mil empresas ainda estão sendo investigadas por suspeita de também terem inventado créditos tributários. Participam do esquema escritórios de consultoria especializados em burlar a legislação. As empresas declaram à Receita que têm direito a créditos tributários com base em decisões inexistentes da Justiça ou que ainda não foram completamente julgadas. Com esses créditos, podem fazer a compensação e pagar outros tributos devidos e, assim, obter a certidão negativa de débitos da Receita.

A compensação pode ser feita automaticamente pelas empresas por meio de um formulário eletrônico, o Per-dcomp, disponível no site da Receita na internet.

Na investigação em curso, os fiscais constataram que, nos casos das 3.500 empresas cuja apuração já terminou, cerca de 90% dos créditos solicitados para compensação eram irregulares. As empresas que praticaram as fraudes terão de pagar 150% do débito indevidamente compensado e os responsáveis vão responder na Justiça pelo crime contra a ordem tributária.

Muitos pedidos de compensação de crédito estão amparados em ações ainda não julgadas ou até mesmo inexistentes. Há casos também em que não há relação entre a decisão da Justiça declarada no formulário e a empresa que está compensando o créditos.

Os fiscais também encontraram casos em que a ação declarada é de terceiros ou situações em que o juiz concedeu liminar, mas a decisão final não foi tomada.

"A lei é muito clara. Só é possível compensar crédito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado (decisão definitiva) sobre a qual não caiba mais nenhum tipo de recurso da Fazenda Nacional", afirma o secretário-adjunto da Receita, Paulo Ricardo Cardoso.

Responsável pela área de fiscalização da Receita, Cardoso destaca que a liquidação do débito solicitado no formulário eletrônico somente será definitiva com a homologação da declaração. A Receita, diz ele, tem cinco anos para verificar se são verdadeiras as informações das empresas no Per-dcomp. "O envio da declaração do pedido de compensação não tem o poder de liquidar os débitos do contribuinte", pondera o secretário.

Por exigência do sigilo fiscal, a Receita não pode informar quais empresas cuja fraude já foi comprovada na investigação. Mas apenas na delegacia da Receita em Brasília já foram identificadas utilizações indevidas de crédito em valor superior a R$ 1 bilhão.

SISTEMA ELETRÔNICO

O formulário eletrônico para compensar créditos com a Receita, o Per-dcomp, foi implementado em 2003 para dar mais agilidade aos pedidos. Antes do Per-dcomp, a análise era manual e os processos acumulavam na Receita, afirma Cardoso. Segundo ele, o sistema eletrônico foi criado para que os fiscais tenham de trabalhar manualmente apenas as declarações com indícios de irregularidade.

Na sua avaliação, as vantagens com a declaração eletrônica é que vêm permitindo aos fiscais identificarem as fraudes. Ele contesta avaliação de que o Per-dcomp facilita as fraudes. "O sistema eletrônico é que está permitindo identificar essas situações", argumenta ele, destacando que na declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), entregue anualmente, os contribuintes também apresentam informações que depois são checadas pelas fiscalização da Receita.

Cardoso ressalta que na maioria dos casos a comprovação do crédito para a compensação é feita mediante o cruzamento eletrônico de informações das bases de dados da Receita. Mas o secretário reconhece que no caso das decisões judiciais o trabalho de fiscalização é mais difícil. Nesses casos, o sistema não é capaz de verificar se o valor declarado como crédito é verdadeiro. Os fiscais têm que fazer a comprovação manual com as informações da Justiça.

É justamente esse trabalho que vem sendo feito com as 6,5 mil empresas que apresentaram indícios fortes de sonegação. A expectativa do secretário é concluir a investigação desse grupo de empresas suspeitas até o fim do ano. Para fechar as brechas de sonegação, a Receita já mudou recentemente a legislação e proibiu a compensação com crédito de terceiros, crédito-prêmio e com títulos públicos.

Segundo o secretário, a Receita vai intensificar esse ano a fiscalização dessas compensações de créditos tributários, inclusive aqueles obtidos com a nova Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o PIS, tributos que deixaram de ser cobrados de forma cumulativa nas cadeias de produção.