Título: O grito dos contribuintes
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2005, Editorial, p. A3

Nos contatos que tem mantido com o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, deixa claro que a Medida Provisória 232 pode ser negociada. Mas essa possibilidade é aberta no contexto estrito - por sinal, muito limitado - do combate à inflação, uma vez que o governo quer evitar que o aumento da carga tributária de vários setores produtivos, provocado pela MP 232, seja repassado para os preços finais.

Essa abordagem poderia dar algum resultado em outros tempos, mas não agora. Os contribuintes não apenas estão exangues, como ficaram particularmente indignados pela forma como o governo promoveu a última derrama. Na calada da noite de 31 de dezembro, foi editada a famigerada medida provisória, corrigindo em 10% as tabelas de descontos do Imposto de Renda das pessoas físicas, que há anos não eram reajustadas. Mas, a pretexto de fazer "justiça tributária", o governo pendurou na medida provisória um aumento de 25% (de 32% para 40%) sobre a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e do Imposto de Renda das empresas prestadoras de serviços, aumentou o número de categorias que devem reter imposto na fonte (inclusive o setor agrícola) e reduziu o poder dos Conselhos de Contribuintes, tribunais administrativos que julgam disputas com a Receita Federal.

A dose foi excessiva e provocou reação proporcional ao aumento da carga tributária. Não parece, portanto, haver terreno para negociações do tipo pretendido pelo ministro da Fazenda. O estado de espírito que prevalece em associações empresariais e entidades de classe não é propício a acertos parciais. Como ficou claro na reunião da Frente Brasileira contra a MP 232 - constituída por 1.111 entidades -, realizada em São Paulo (haverá outro encontro, no Rio), o que se exige é a ablação total, na medida provisória, de tudo o que não diga respeito à correção das Tabelas do Imposto de Renda das pessoas físicas. O resto deve sair e, se o governo insistir em propor maior gravame tributário, que o faça por meio de projeto de lei, para que os cidadãos-contribuintes e seus representantes no Congresso possam discutir e deliberar, com a calma que a tramitação das medidas provisórias não permite, se estão dispostos a arcar com mais esse ônus.

O governo argumenta que não poderá equilibrar as contas sem compensar de alguma forma a receita que deixará de receber com a correção das tabelas do imposto de renda das pessoas físicas. Ou seja, durante o período em que deixou de fazer o reajuste pela inflação, apropriou-se de uma receita extra e expandiu seus gastos. Na verdade, há mais de uma década que o governo vem impondo aos brasileiros uma lógica fiscalista implacável, pela qual não fecha as contas, não sustenta programas sociais e não investe em infra-estrutura se não houver aumento da receita.

E com isso, nesse período, o Brasil passou a ter uma das cargas tributárias mais escorchantes do mundo, o endividamento público jamais deixou de crescer, as mazelas sociais não desapareceram e a infra-estrutura está mais precária do que nunca.

Os protestos que se levantam contra a Medida Provisória 232, desde o primeiro dia do ano, são um sinal ao governo, aí compreendidos o Executivo e o Legislativo. Impostos excessivos restringem o crescimento da economia e comprometem o nível de emprego. Tendo a carga tributária ultrapassado o limite do suportável, já não cabe mais aos contribuintes sustentar estoicamente as extravagâncias estatais. Até agora, o governo resolveu seus problemas fiscais cobrando mais impostos. Daqui por diante - e essa é a mensagem transmitida por 1.111 entidades, reunidas contra a MP 232 - deve o governo reduzir seus gastos correntes, que praticamente triplicaram entre 1995 e 2004.

E, se a Constituição impede que o governo administre com maior flexibilidade o orçamento - o que se deve ao número e volume excessivos de verbas carimbadas -, também já é mais que hora de o Executivo e o Legislativo, em harmonia, se lançarem a uma ampla revisão constitucional, na qual não pode faltar uma reforma tributária que, além da questão da partição dos recursos, reveja as atribuições de cada ente da Federação.

O que não é mais possível é continuar cobrindo os rombos de um Estado ineficiente, indefinidamente, por meio da apropriação de quase 40% do fruto do trabalho dos brasileiros.