Título: Bispos se orgulham de estar entre os ameaçados de morte
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2005, Nacional, p. A12

Os dois bispos que, segundo a Comissão da Pastoral da Terra (CPT), estão entre as 145 pessoas ameaçadas de morte, por causa de conflitos na zona rural, anunciam que vão continuar lutando em defesa de posseiros e índios, nos territórios de suas dioceses, como se nada estivesse acontecendo. O norte-americano d. Heriberto Hermes, de Cristalândia (TO), e o espanhol d. Pedro Casaldáliga, de São Félix do Araguaia (MT), disseram que o fato de seus nomes constarem de uma lista de brasileiros marcados para morrer é motivo para orgulho, pois é sinal de que sua ação está incomodando quem explora o povo.

"Eu ficaria desapontado, se não entrasse nessa lista", declarou d. Heriberto, um beneditino de 71 anos que chegou ao Brasil em 1962 para trabalhar na cidade goiana de Mineiros. Ordenado bispo em 1990, ele sempre denunciou a corrupção e a violência na prelazia (diocese em formação) de Cristalândia.

ÍNDIOS INEXISTENTES

D. Heriberto atribui a inclusão de seu nome entre os ameaçados de morte a seu apoio a um grupo de índios craôs-canelas que há 30 anos foram expulsos de suas terras pela Fundação Nacional do Índio. "A Funai alega que esse grupo não existe, mas casas e cemitérios provam que eles moram há décadas na região de Lagoa da Confusão", disse o bispo.

São 86 índios que, segundo d. Heriberto, estão confinados na Casa do Índio, no município de Gurupi, "num verdadeiro campo de concentração, onde vivem de doações, porque não têm área para plantar nem para caçar". Além de sofrerem a resistência de fazendeiros, disse o bispo, os craôs-canelas enfrentam a hostilidade dos ocupantes de nove assentamentos construídos pelo Incra em suas terras.

"Os assentados acham que serão expulsos da área, se os índios voltarem, o que não é verdade", informou d. Heriberto. Além do bispo, também o padre anglicano Brás Rodrigues da Costa, que trabalha em parceria com ele, está na lista dos marcados para morrer.

D. Heriberto disse que entrou com representação na Secretaria de Segurança de Tocantins, quando foi ameaçado de morte no dia 18 de novembro do ano passado, mas nenhuma providência foi tomada. "O dono da balsa em que eu deveria atravessar o Rio Formoso para participar de uma reunião com os índios, assentados e representantes do governo gritou que era preciso jogar o bispo na água para as piranhas e os jacarés."

NAS MÃOS DE DEUS

D. Heriberto se escondeu e não embarcou na balsa. "Coloco minha vida nas mãos de Deus e vou trabalhar do mesmo jeito, apoiando meus irmãos e minhas irmãs que estão sendo maltratados", promete o bispo. Americano de Kansas, ele revela que, após a eleição do presidente Lula, começou a pensar em se naturalizar brasileiro. "Não fiz isso quando cheguei, no tempo da ditadura, porque não seria conveniente deixar de ser cidadão dos Estados Unidos."

Em São Félix do Araguaia, onde aguarda a chegada de seu sucessor, frei Leonardo Ulrich Steiner, que tomará posse em 1.º de maio, d. Casaldáliga também não se assusta com a ameaça de morte. "Faz tanto tempo que corre essa notícia que não me preocupo mais", disse o bispo, na prelazia desde outubro de 1971.

"Sensibilizado com o testemunho da morte de irmã Dorothy e solidário com o sofrimento de nosso povo, tenho uma sensação de impotência diante dos mandantes e dos executores que assassinam trabalhadores", afirmou d. Casaldáliga. Ele informa que vai morar na mesma casa de seu sucessor, a convite dele, para continuar trabalhando em defesa dos posseiros e dos índios, como faz há mais de 30 anos.

Se tem medo de morrer? "Estou com 77 anos, tem morrido muita gente mais nova", responde o bispo espanhol. Doente e enfraquecido, sofrendo do mal de Parkinson e de hipertensão, ele não consegue mais viajar pelo interior da prelazia, nos sertões do Araguaia. A Polícia Federal destacou agentes para protegê-lo, ano passado, quando um grupo de 500 xavantes tentou, com seu apoio, retomar uma área no município de Alto da Boa Vista.