Título: Realidade se opõe ao Protocolo de Kyoto
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2005, Vida &, p. A16

O Protocolo de Kyoto, acordo global para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, entrou em vigor ontem após quase afundar durante sete anos de debate. Contudo, o contentamento foi sufocado por duas realidades: a de que o tratado não é suficiente para salvar a humanidade do próprio homem; e a ausência dos Estados Unidos, o maior emissor do planeta, mais a intenção de países como Grã-Bretanha de recolocá-los na mesa de negociação ambiental. O premier inglês, Tony Blair, atual dirigente do G8 (grupo dos sete países mais ricos e a Rússia), reforçou ontem que "espera convencer o presidente Bush a participar do debate internacional de luta contra a mudança climática". Ele também quer chamar Brasil, África do Sul, China e Índia para a próxima reunião de cúpula. A pauta será novas tecnologias limpas.

Apesar de não aceitarem o protocolo, os EUA são uma referência no assunto. Anteontem, o país anunciou o investimento em 2005 de US$ 5,8 bilhões em pesquisa sobre mudanças climáticas, tecnologia e incentivos fiscais para lutar contra o aquecimento global.

Mas enquanto as críticas aos EUA ganham ainda mais força, o próprio protocolo não é poupado. "Por si só, o protocolo não salvará a humanidade dos perigos das mudanças provocadas pela interferência antrópica perigosa no clima", alertou o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, em gravação transmitida ontem de Kyoto, onde aconteceu a negociação em 1997. "Vamos celebrar, mas não sejamos complacentes. Não há tempo a perder."

O protocolo coíbe a emissão do dióxido de carbono e outros cinco gases que prendem o calor na atmosfera, afetando o delicado sistema climático da Terra.

Especialistas e políticos defendem que ele precisa ser encarado apenas como um primeiro passo. "Hoje é dia de renovar nosso compromisso em combater o aquecimento global", disse o ex-ministro japonês do Meio Ambiente Hiroshi Ohki, presidente da conferência de 1997. Joke Waller-Hunter, secretária-executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança Climática, lembra que o "protocolo não é suficiente".

TIO SAM

O protocolo foi ratificado - isto é, tornado lei - por 141 nações. Juntas, elas respondem por 61,6% das emissões de 1990. Se os EUA participassem, a soma chegaria a 97,7%.

Para o presidente George W. Bush, as regras do acordo prejudicariam a economia americana sem resolver o problema - especialmente pela falta de metas de redução para grandes países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil. Retomar a conversa significa debater tais metas para 2013 (entre 2008 e 2012, só os países industrializados devem diminuir as emissões). Por enquanto, as nações em desenvolvimento não assumem a responsabilidade.

O secretário-executivo da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, José Miguez, lembra que muito do conhecimento sobre mudança climática e da tecnologia para combatê-la tem origem nos EUA. "Uma coisa é a posição política de Bush sobre o protocolo; outra é o que estão fazendo sobre mudança do clima", diz. "Acho que a desvantagem de não estarem em Kyoto é o menor apoio que darão aos países em desenvolvimento."

Há também uma crescente pressão interna. Companhias como a Motorola e alguns Estados e municípios americanos têm políticas independentes para cortar as emissões. "Muitos líderes corporativos compartilham a visão, mas temem retaliações", disse o presidente da União dos Cientistas Preocupados, Kevin Knobloch.