Título: Meta impõe juro alto até agosto
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2005, Economia, p. B3

Para que a inflação fique dentro da meta de 5,1% em 2005, o Brasil vai ter de conviver com taxas de juros altas até agosto, pelo menos. Essa é a estimativa de economistas ouvidos pelo Estado. Segundo especialistas dos bancos Itaú, ABN-Amro e Bradesco, e da Tendências Consultoria Integrada, seria necessário manter a Selic em cerca de 19% (0,25 ponto porcentual acima da taxa atual, de 18,75%) por 6 meses para levar a inflação até a meta, caso o câmbio fique no patamar atual. Uma alternativa seria uma flexibilização, ainda que implícita, na meta de inflação. Para Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria Integrada, vai ser muito difícil trazer a inflação para a meta "apertada" de 5,1%. Ele acha que não haveria problemas em ter uma inflação um pouco mais alta este ano. "Não seria um fracasso para o BC ter uma inflação de 6% este ano; desde que ela fique abaixo da inflação do ano passado (de 7,6%), tudo bem", diz Loyola.

Segundo ele, um dos problemas que o BC enfrenta no momento é a oposição entre a política monetária e a cambial. A intervenção do governo no câmbio, ao comprar dólares, faz com que o aperto monetário seja menos eficiente em sua tarefa de reduzir crédito e demanda. Trata-se de um círculo vicioso: as altas taxas de juros atraem um grande volume de capitais especulativos para o País, o que leva a uma valorização do real. Para evitar maior valorização da moeda brasileira, que poderia prejudicar as exportações, o governo vem comprando dólares no mercado. Só que, com isso, o governo injeta reais no mercado e essa liquidez pode causar inflação. E é exatamente essa inflação que ele quer combater com a alta dos juros.

"A política cambial atrapalha a ação da política monetária", diz. Mesmo com mecanismos de esterilização (como a emissão de títulos de dívida para "enxugar" os reais do mercado), a liquidez vem aumentando, diz Loyola. "Não adianta elevar a Selic e aumentar a liquidez, porque aí os juros de longo prazo (que são referência para o crédito) não sobem."

Segundo ele, essa pode ser uma explicação para a resistência do crédito ao consumidor. Mesmo com a alta da Selic, o juro ao consumidor continua caindo - por causa de mecanismos como o crédito consignado, que levaram a uma queda das taxas, e por causa da ação da política cambial.

"Até agora, a alta da Selic só serviu para aumentar o endividamento público (parte da dívida é atrelada à taxa) e valorizar o câmbio", diz Sérgio Vale, economista da MB Associados. Vale ressalta o peso dos preços administrados e das commodities na inflação. Como a alta da Selic não afeta esses preços, a elevação do juro precisa ser drástica para reduzir de forma acentuada os outros preços.

Para Sérgio Werlang, diretor-executivo do Banco Itaú e ex-diretor do BC, a solução para reduzir a inflação é o corte de gastos do governo. No ano passado, segundo Werlang, houve um aumento real de 10% nos gastos (excluídas as transferências). "Neste ano, a política fiscal também é expansionista", diz. Se o governo cortasse gastos, haveria uma redução da demanda, contribuindo para a queda da inflação.