Título: Corrupção na Justiça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2005, Editorial, p. A3

Depois da Justiça do Trabalho - que teve um de seus principais dirigentes envolvido no desvio de verbas destinadas à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo - e da Justiça Federal - que viu um de seus ministros acusado de vender sentenças ao narcotráfico e sofreu o constrangimento de ter um de seus mais conhecidos juízes em São Paulo condenado por formação de quadrilha, extorsão e peculato -, agora é a vez da Justiça Eleitoral aparecer nas páginas policiais da imprensa. O desembargador Mauro Campello, que há dois anos dirige o Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE/RO) e que, pela programação oficial, deveria assumir nos próximos dias a presidência do Tribunal de Justiça do Estado, está sendo acusado de participar de um sofisticado esquema de corrupção. Na primeira grande operação da Polícia Federal, em 2005, foram presos, em Boa Vista e em Manaus, a mulher e a sogra do magistrado e quatro assessores seus, além de dois de seus motoristas, todos acusados de cometerem graves fraudes na instituição por ele presidida. Ao todo, foram detidas 23 pessoas.

As provas já colhidas pela PF são tão contundentes que vários dos detidos, inclusive a sogra, confessaram seus crimes logo nos primeiros depoimentos. Embora Campello não tenha sido preso, apesar de estar ao lado da mulher, quando ela foi algemada, a PF já notificou o caso à direção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a corte formalmente encarregada de conduzir o inquérito.

Uma das fraudes cometidas pela quadrilha foi forjar horas extras, com o objetivo de dobrar os vencimentos dos servidores nomeados por Campello para os principais cargos administrativos do TRE/RO. Outra, foi simular viagens a trabalho pelo País e até para o exterior, com o objetivo de receber as diárias. Quase todos os pagamentos foram efetuados com recursos orçamentários destinados pela Justiça Eleitoral ao custeio das eleições municipais do ano passado.

Mais grave ainda é o envolvimento da mulher e da sogra do desembargador num acintoso esquema de extorsão. Usando a influência do marido e genro, elas interferiam na contratação dos funcionários mais qualificados, com salários de até R$ 8 mil, e em seguida exigiam a devolução de metade desse valor, em dinheiro, para os integrantes da quadrilha. As notas eram entregues pelos servidores em envelopes recolhidos pelos motoristas do presidente do TRE/RO. Dos servidores que aceitaram as condições impostas pelas duas, em troca do emprego concedido na corte, dois já teriam confessado, apontando Campello como mentor intelectual e principal beneficiário do esquema.

Esta acintosa apropriação de dinheiro público por ocupantes de altos cargos, no âmbito do Poder Judiciário, é mais uma demonstração inequívoca da inépcia dos mecanismos de autofiscalização da instituição. Em nome do princípio da separação dos Poderes, os tribunais brasileiros sempre consideraram qualquer fiscalização externa dos atos e iniciativas de seus dirigentes e integrantes como uma afronta a sua autonomia. E, a pretexto de preservar a imagem e o prestígio da Justiça, suas corregedorias sempre agiram com critérios muito pouco transparentes, o que acaba redundando em benefício para magistrados venais.

Essa omissão corporativa facilitou - e incentivou - o envolvimento de alguns juízes com traficantes, empreiteiros corruptos, etc. Se as corregedorias atuassem com rigor exemplar, magistrados como Nicolau dos Santos Neto e João Carlos da Rocha Mattos seguramente não teriam se sentido à vontade para agir com tanta desenvoltura, valendo-se de suas prerrogativas funcionais para cometer os mais variados tipos de irregularidades.

Como não se revelou capaz de forjar mecanismos de autofiscalização imunes ao corporativismo, a Justiça brasileira encontra-se hoje numa situação constrangedora. Casos como esse de Roraima mostram o equívoco dos magistrados sérios e honestos que resistem à implantação do controle externo, a ponto de argüir a inconstitucionalidade da reforma do Judiciário.