Título: Em ligação aos EUA, o aviso do perigo
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2005, Nacional, p. A5

Na manhã da sexta-feira, Dorothy Mae Stang pressentiu o perigo que se aproximava e fez sua última chamada para os Estados Unidos. Ligou de Anapu para Palmer Lake, no Colorado, para falar com o mais novo de seus 8 irmãs e irmãos. "David, estava pensando em você aí nesse frio, aqui está muito quente e úmido, chove bastante e há um monte de gente me esperando na porta; vamos perto daqui demonstrar nosso apoio a umas pessoas que tiveram suas casas queimadas; elas são pobres e estão na rua, sem ter onde morar", disse ela, segundo relato do irmão, de 67 anos, ontem, ao Estado. É provável que a religiosa estivesse querendo preparar o espírito do irmão caçula para o que estava por vir. "David, eu pressinto que a situação vai ser muito difícil", continuou. "Eu disse que ela estaria nas minhas orações e que eu rezaria para que Deus a protegesse, e lá ela se foi", disse David. "Eu posso vê-la caminhando firme, sorridente e feliz com o que estava fazendo em apoio aos pobres e à Amazônia; esta será minha última memória de Dorothy."

De acordo com David, ele e sua irmã Margarita, que mora em Fairfax, Virginia, região de Washington, havia reforçado seus laços afetivos com Dorothy numa viagem que fizeram a Belém, em dezembro, para assistir à cerimônia na Assembléia Legislativa do Pará no qual ela recebeu o título de cidadã honorária do Estado. "Dividimos o mesmo quarto durante o fim de semana e rimos muito juntos", contou. "Dorothy disse-nos depois da cerimônia que vários políticos disseram a ela que devia tomar cuidado, mas ela havia recebido muitas ameaças e disse que não tinha medo, pois 'se quiserem me matar, matarão'".

Num e-mail que Dorothy mandou no fim do ano para a irmã Joan Krimm, sua colega de ordem, em Cincinnati, Ohio, ela mencionou as ameaças constantes. A mensagem faz menção a um prêmio de R$ 10 mil que foi oferecido em Anapu a quem matasse a freira. "Dez mil reais? Não valho muito, não é?", brincou Dorothy, acostumada às ameaças. "Ela decidiu adotar a cidadania brasileira depois que começaram a acusá-la de ser uma 'terrorista americana' que estava trazendo armas para a região", contou Joan. "Dorothy havia dito à polícia de Anapu que se nada fosse feito para parar a violência contra os pobres, eles poderiam armar-se para se defender. Quanto a ela mesma pegar em armas, não. Ela dizia: 'Joan, eu não saberia de que lado segurar uma arma'".