Título: Críticos denunciam autoritarismo em marcha
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2005, Nacional, p. A6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca em Caracas em um momento marcado por turbulências, com a sociedade venezuelana perplexa contra três leis apresentadas pelo governo Chávez, que restringem a liberdade de expressão e abrem espaço para a punição de críticos do regime. "Na Venezuela de hoje, há uma clara concentração do poder no Executivo, uma militarização da estrutura da sociedade e uma personalização do poder", afirmou ao Estado o mais respeitado historiador do país, Manuel Caballero. "Só podemos chamar esse fenômeno de chavismo, o que não se trata de uma ditadura, nem tampouco de democracia. É um governo de tendência fascista."

As três leis a que se refere são a reforma do Código Penal, que ainda não foi sancionada por Chávez, a Lei Orgânica do Tribunal Supremo de Justiça e a Lei de Responsabilidade Social dos Meios de Comunicação, estas duas últimas, aprovadas pela Assembléia Nacional, onde o partido oficial conta com ampla maioria de assentos, e já em vigência.

Para o advogado Alberto Arteaga, professor de direito penal da Universidade Central da Venezuela, as três novas legislações restringem os direitos básicos do cidadão à livre expressão e ferem a instituição do Estado de Direito.

A Lei Orgânica do Tribunal Superior de Justiça, vigente desde maio, permitiu a Chávez consolidar sua liderança em várias esferas do poder. Sua principal regra foi o aumento do número de magistrados da Corte Suprema de 20 para 32. Como quatro se aposentaram e um foi destituído, o presidente nomeou 17 ministros.

Levando em conta a maioria que possui na Assembléia, Chávez conseguiu, ao final do conturbado ano de 2004, tomar para si a condução direta ou indireta dos três Poderes e ser aclamado para mais três anos de governo pela maioria do voto popular.

Caballero vê uma "relação direta" entre o líder e o povo, assim como se viu na Alemanha e na Itália dos anos 20 e, três décadas depois, na Argentina de Juan Perón. Ele diz que tanto Chávez como Perón se apoiaram na parcela mais excluída da população e nos demais setores populares. "O dilema é que os partidos históricos venezuelanos se suicidaram, como também aconteceu na Alemanha nazista e na Itália fascista. Não vou esperar que os preços do petróleo caiam para que Chávez se veja em maus lençóis. A oposição é que tem de reagir e arrancar da população venezuelana essa admiração pela peste militar."

A reforma do Código Penal permite a aplicação de pesadas punições a quem tiver opiniões diferentes daquelas da "revolução bolivariana". Por exemplo, poderá levar à cadeia, por injúria e difamação, cidadãos que promoverem ou participarem de protestos contra atos oficiais, criticarem o governo e até mesmo os que apresentarem idéias que contrariem os princípios bolivarianos. Atitudes como "olhar feio" para a bandeira nacional ou para o presidente também são crimes passíveis de punição.

A Lei de Responsabilidade Social dos meios de comunicação fixa regras para os jornais, as TVs, as rádios e a publicidade, com insistente argumentação do dever de "formação", não de informação aos jovens. Boa parte desse calhamaço é dedicada à definição de sanções, que podem chegar à suspensão ou à cassação de concessões públicas.