Título: Solução está no ensino da ciência
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2005, Vida &, p. A9

A solução para a educação brasileira está na ciência. O representante no Brasil da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Jorge Werthein, resolveu levantar essa bandeira e agora tenta convencer governadores e prefeitos do País de que só a introdução do ensino de química, física e biologia para crianças vai melhorar a qualidade das escolas públicas. "O ensino da ciência implica em um exercício extremamente importante de raciocínio, que desperta na criança seu espírito criativo, seu interesse, e melhora a aprendizagem em todas as disciplinas." A preocupação de Werthein vem motivada da previsão de um péssimo desempenho dos alunos brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, o Pisa, que em 2006 dará ênfase à ciência. No fim de 2004, o Brasil apareceu em último lugar no ranking mundial de matemática, atrás de países como Tunísia e Indonésia. "Aqui, a educação é apenas importante, não é prioritária. Coréia, Malásia, Irlanda, Cingapura e Espanha já perceberam que isso era um empecilho fundamental para o desenvolvimento da sociedade, o Brasil ainda não." A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado, na sexta-feira, depois de visita ao prefeito José Serra.

Qual a importância do ensino da ciência?

O impacto na elevação da qualidade educacional de países desenvolvidos que incorporaram o ensino de ciência desde a educação fundamental foi enorme. O ensino de ciência implica em um exercício extremamente importante de raciocínio, que desperta na criança seu espírito criativo, seu interesse, e melhora a aprendizagem em todas as disciplinas. Ou seja, se o Brasil começa a introduzi-lo no ensino fundamental vai melhorar a qualidade da sua educação. Em segundo lugar, hoje o capital mais importante que tem um país é o conhecimento. Nações como Brasil sofrem de uma baixa produção científica, enquanto países desenvolvidos estão continuamente se renovando e produzindo ciência e tecnologia. Essa produção permite um rápido desenvolvimento desses países. Por isso é tão importante introduzir a ciência no ensino fundamental, assim estamos começando a formar possíveis cientistas, capacitados, motivados para a ciência desde cedo.

Não é importante aproximar professores do ensino fundamental e médio da produção científica nas universidades?

Claro, isso permitiria formar melhor o professor. Hoje, o professor do ensino médio apenas tenta ensinar ciência, e de forma extremamente deficiente. O ensino médio aumentou muito sua matrícula, mas não aumentou proporcionalmente o número de professores capacitados. O ensino público continua não oferecendo educação de qualidade e a ciência fica restrita ao ensino privado e a uma pequena elite. Se não modificarmos isso, seguiremos gerando e reproduzindo uma grande desigualdade. Quem vai gerar conhecimento em ciência será o setor mais privilegiado.

O que governos e prefeituras estão fazendo para melhorar essa situação?

Não estão fazendo nada pelo ensino de ciências na educação fundamental. Há tentativas apenas em São Paulo e em Sergipe. O País tem de pensar nisso, os secretários municipais e estaduais têm de se conscientizar porque em 2006 o Pisa (avaliação internacional feita a cada dois anos e aplicada a alunos de 15 anos de cerca de 50 países) introduz o componente de avaliação de ciência. Qual vai ser o resultado do Brasil? Tenho muito medo. Não podemos esperar mais, temos de começar a fazer alguma coisa. Um melhor resultado no Pisa significa que o Brasil conseguiu elevar sua qualidade da educação. E se a gente conseguir isso, elevaremos a posição do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano.

Mas como se faz para popularizar a ciência nas escolas?

A melhor a maneira de popularizar a ciência é introduzi-la no currículo, começando a trabalhar com crianças os aspectos científicos. Hoje no ensino fundamental não se aprende ciência. É preciso ir ensinando princípios da física, da química, mostrando a eletricidade, fazendo experiências com pilhas e lâmpadas. São aspectos fáceis de se trabalhar, que introduzem o interesse nas crianças. Você introduz o ensino e capacita os professores. Foi assim que outros países fizeram.

Como deve ser a capacitação?

Os professores em geral têm muito medo de ciência, porque não foram formados. Mas a capacitação vai mostrando que as coisas são mais simples do que eles pensavam. Não existe nenhum fantasma no ensino de ciência, é apenas preciso transmitir conhecimentos que são até muito elementares e que geram interesse de crianças na experimentação. Os professores passam a notar uma reação diferente na sala de aula, os alunos se entusiasmam, querem praticar. Começa a existir trabalho em equipe e surge na escola pública uma relação que existe só na particular. E isso é o que realmente importa no processo educacional: poder estar numa aula que é prazerosa.

Se não é difícil fazer, o que falta é vontade dos governos?

Os governos não fazem porque ainda não se percebe a importância da ciência para impactar a qualidade educacional. Países deram um salto qualitativo tremendo na sua educação porque decidiram um dia que a escola não é só importante, é prioritária. Essa diferença é enorme. No Brasil ainda é só importante. Coréia, Malásia, Irlanda, Cingapura e Espanha já perceberam que isso era um empecilho fundamental para o desenvolvimento da sociedade, o Brasil ainda não. A Argentina fez isso em 1850, o Uruguai, em 1870.

O que isso significa na prática?

Significa que a educação se torna uma política de Estado, não de governo, e se faz os esforços financeiros necessários para investir nela. Argentina, Uruguai, Chile, Costa Rica, Cuba fizeram isso e têm os melhores indicadores educacionais da região. Eles também perceberam que o ensino da ciência é muito mais importante que criar situações aparentemente significativas, mas que não impactam na melhoria do sistema educacional, como laboratórios de informática nas escolas, por exemplo. Eles não têm sentido quando professores não têm computador ou internet em casa. Você faz um investimento grande, enquanto precisamos de estratégias auto-sustentáveis e eficientes. É sempre melhor investir na capacitação de professores. Porque não há nada no sistema educacional mais importante para elevar a qualidade do ensino que o professor. Todo o resto é importante, mas o professor é prioritário.