Título: Bush vai pôr Alca em banho-maria
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2005, Economia, p. B1

Os adversários da liberalização comercial e da busca de mais espaço para as exportações brasileiras nos Estados Unidos por meio de um acordo continental podem relaxar. Nos próximos dois anos, a atenção do USTR, o órgão incumbido da política americana de comércio exterior, estará voltada para a conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC) e não haverá interesse para acordos regionais. Empacadas há um ano, as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) serão mantidas em banho-maria, isso se não forem oficialmente postas no congelador depois do encontro nada promissor que os dois negociadores do grupo, o brasileiro Adhemar Bahadian e o americano Peter Allgeier, terão nos dias 23 e 24 deste mês, em Washington.

A avaliação foi feita na semana passada por ex-ministros do USTR durante uma conferência promovida pelo Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, na capital americana. Mesmo acordos já concluídos, como o tratado comercial que os EUA negociaram no ano passado com os países da América Central (Cafta), enfrentarão problemas em Washington. As dificuldades políticas para a ratificação do tratado pelo Congresso americano e a falta de apetite para o tema - o presidente George W. Bush não falou nada sobre comércio em seu discurso ao Congresso sobre seu segundo mandato, há duas semanas - podem levar a administração Bush a manter o Cafta na gaveta.

A falta de definição sobre o sucessor do atual titular do USTR, Robert Zoellick, que assumirá o cargo de vice-secretário de Estado, reforça as dúvidas manifestadas pelos ex-chefes do órgão sobre o Cafta. Segundo fonte oficial, o próprio USTR reconhece que a janela de oportunidade para a ratificação do tratado com a América Central é pequena e fecha-se em questão de semanas.

William Brock, ex-senador republicano que comandou o USTR entre 1981 e 1985, disse que receberá como boa notícia o arquivamento dos acordos bilaterais e regionais de comércio que a administração americana buscou sob sua estratégia de "liberalização competitiva". "Sou a favor do Cafta, mas está na hora de parar com acordos bilaterais e regionais e trabalhar no acordo global na OMC, se quisermos salvar o sistema multilateral de comércio", afirmou Brock.

A também republicana Carla Hills, que chefiou o USTR entre 1989 e 1993, disse que "2005 será um ano duro" para as forças favoráveis à liberalização do comércio nos EUA. Segundo ela, "a expectativa é que a ratificação do Cafta provocará um debate rancoroso" e que será decidida "numa votação apertada". Carla advertiu que uma derrota do Cafta "animaria os oponentes à liberalização comercial e tornaria ainda mais difícil os compromissos necessários para concluir a Rodada Doha". Mike Kantor, chefe do USTR no governo Clinton, por sua vez, previu que o "Cafta não será submetido à ratificação do Congresso este ano e até a conclusão da Rodada Doha".

O embaixador americano no Brasil, John Danilovich, não compartilha do pessimismo dos ex-chefes do USTR. Para ele, o prazo político para a conclusão do Cafta é apertado, mas será submetido à ratificação. Além disso, Danilovich diz que os acordos hemisféricos fazem parte da agenda da Casa Branca.