Título: Nuvens cobrem setor de cigarros
Autor: Amanda Brum
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2005, Economia, p. B12

Responsável pela movimentação de mais de R$ 8 bilhões por ano, o setor de cigarros está imerso em uma nuvem de incertezas. Apesar do otimismo macroeconômico, as restrições de publicidade, aliadas à concorrência ilegal e ao temor de novos aumentos tributários, colocam em xeque o crescimento das maiores empresas do setor. Entre os analistas do mercado tabagista, as perspectivas para 2005 vão desde uma pequena retração no consumo de cigarros, de 1%, a até um ligeiro crescimento, não superior a 2%. Mas o temor, explicitado pela maioria, é de que as marcas ilegais venham a ampliar sua fatia ao longo deste ano. Segundo levantamentos recentes, elas respondem por quase 34% do mercado total.

É que, com o processo de recuperação de renda, os consumidores de menor poder aquisitivo tendem a retomar o consumo, iniciando pelos itens mais baratos. De acordo com pesquisas do setor, os cigarros ilegais chegam a custar até 60% menos do que os mais baratos vendidos pelas grandes do setor. Estima-se que, desses ilegais, 70% sejam contrabandeados, 13% falsificados e 17% estejam fora da lei por sonegação.

Daí, analistas como Carl Weaver e Sara Delfim, da Bear Stearns, temerem a perda de participação de mercado da Souza Cruz, líder com 75,2% das vendas. Marcio Kawassaki, da Fator Corretora, ainda chama a atenção para as restrições que a empresa enfrenta, seja de marketing, sejam tributárias.

A própria Souza Cruz não se isenta de comentar essa situação. Segundo o diretor de Relações com Investidores da empresa, Dante Letti, a companhia deve elevar seu volume de vendas para 75 bilhões de cigarros em 2005 no mercado doméstico, ante os 74,3 bilhões do ano passado, o que denota uma alta inferior a 1%. Segundo ele, não fosse a informalidade no setor, seria possível alcançar 76 bilhões, o que aproximaria a companhia do desempenho anotado em 2003. A Philip Morris, segunda maior empresa desse mercado, não quis se pronunciar sobre o assunto.

O analista Alexandre Garcia, da Ágora Sênior, acredita que as vendas da Souza Cruz devem recuar 2% em volume, o que não será de todo mal para a empresa, já que os preços médios tendem a patamares mais favoráveis, o que elevaria em 4% a receita obtida com a venda desse produto. Já Tania Sztamfater, do Unibanco, aposta em um aumento de 1% no consumo doméstico de cigarros.

O executivo da Souza Cruz chama a atenção para o fato de a rentabilidade da empresa depender dos aumentos de impostos. Ele ilustra com o que ocorreu em 2004: por conta da elevação dos custos de produção e dos tributos, a empresa reajustou os seus preços e amargou um recuo de 3,25% no volume de vendas no mercado doméstico. Pelos cálculos da companhia, 60% do faturamento vai para o governo em forma de impostos, sendo que, junto com a Philip Morris, ela chega a responder por mais de 99% da arrecadação do setor.

Uma alternativa para as empresas legais enfrentarem a concorrência é investir em propaganda, para que o consumidor consiga reconhecer amplamente as suas marcas. Porém, como desde dezembro de 2000 o setor enfrenta regras rigorosas e restritivas de publicidade, as chances de obter êxito frente aos rivais desta forma ficam bem reduzidas.

Outra saída apontada por consultores para conseguir crescer de forma saudável e com rentabilidade em mercados disputados e saturados como o de cigarro é investir em itens de maior valor agregado, que ganhem o consumidor por seu diferencial. A Souza Cruz já vem aplicando essa estratégia, oferecendo produtos específicos para cada tipo de consumidor. Com o Carlton Flavours, que em 2004 tinha as versões mint, crema e capuccino, a marca conseguiu elevar a sua participação de mercado de 8% para 8,8%, em um ano que não foi bom para o setor. A empresa prevê para 2005 o lançamento de mais 15 variações em seu portfólio, em linha com o número realizado no ano passado.

Talvez por conta de todas as incertezas que ainda rondam o setor, a Souza Cruz não tem conseguido convencer os investidores de que seus papéis são bom negócio para 2005. No ano, as ações da companhia acumulam desvalorização de mais de 10%.