Título: Metrô, quem diria, provoca queixa
Autor: Bárbara Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2005, Metrópole, p. C1

Atrasos, panes, estações lotadas. O metrô de São Paulo, um dos oito maiores do mundo em lotação, passa por uma sucessão de problemas que vêm afetando seus 2,8 milhões de passageiros diários desde outubro. Inconformados com as falhas, justamente porque esse sistema é apontado como um exemplo de serviço público eficiente, os paulistanos andam se perguntando: o metrô não é mais o mesmo? Para quem usa o sistema freqüentemente, a resposta é não. Muita gente diz que, há algum tempo, o metrô apresenta falhas que não ocorriam há cinco, dez anos. "O percurso Itaquera-Sé, feito normalmente em 25 minutos, tem demorado 40 nos horários de pico", reclama o analista jurídico Marcelo Alvarenga Cruz. Ele usa esse meio de transporte há dez anos, todos os dias.

Nas estações, funcionários repetem a mesma explicação que dão cada vez que ocorre um problema: a culpa é da falta de manutenção preventiva, que já não é feita com o mesmo rigor de quando o metrô foi inaugurado.

A diretoria da Companhia do Metropolitano afirma que são casos pontuais e continua criteriosa quando o assunto é a operação do sistema e o padrão dos equipamentos. "Somos certificados pela Norma ISO 9001. Isso não seria possível se não estivéssemos dentro das normas internacionais", explica o diretor de operações do Metrô, Décio Tambelli.

Mesmo assim, os problemas continuam ocorrendo. Na Linha 3 (Barra Funda-Itaquera), uma parada de 5 minutos na Estação Brás às 7h30 do dia 2 foi suficiente para provocar reclamação entre os passageiros que iam no sentido Sé. O trem estava lotado. "Todo dia é isso. O trem está parando sem mais nem menos e a gente fica sem saber o que é", disse o vigia Waldemar Ferreira. "Ficar parado esse tempo pode parecer pouco, mas para quem está num vagão lotado, sem conseguir se mexer e sem informação, é difícil não reclamar", confirmou a advogada Marlene Queiroz.

"O metrô ainda é o meio de transporte coletivo mais rápido e confiável. Exatamente por isso esses problemas dos últimos anos preocupam o passageiro", diz Cruz.

Uma pesquisa da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) reflete isso: 92% dos passageiros entrevistados aprovam o sistema.

INVESTIMENTOS

Mas o que, então, está provocando os problemas? Alguns são pontuais, reitera o Metrô (Leia texto ao lado). Mas a maioria, para os críticos, é resultado da falta de investimentos em manutenção e ampliação das linhas.

"O problema está na manutenção. Faz tempo que se investe pouco nessa área", afirma o professor Csaba Deák, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo (USP). Deák, que trabalhou na Companhia do Metropolitano entre 1986 e 1989, é um dos consultores de um planejamento a longo prazo do governo e entidades ligadas ao transporte - o Plano Integrado de Transportes Urbanos (Pitu 2020). Ele enfatiza que é a primeira vez que o metrô passa por falhas sucessivas desde que foi inaugurado, em 1974. "Voltar a investir em manutenção e ampliação é a saída", diz.

Ao falar desses problemas, o especialista se refere às oito falhas registradas pelo metrô entre os dias 5 de janeiro e 2 de fevereiro. Duas são problemas nas portas que estão sendo trocadas na Linha 1 (Jabaquara-Tucuruvi). Outras duas são a presença de fumaça e princípio de incêndio na Linha 3 (Barra Funda-Itaquera). Mas as ocorrências que mais chamam a atenção são dois incidentes notáveis (IN), como o Metrô os denomina. Ocorreram nos dias 1.º e 2 deste mês. Só o primeiro, na Estação da Luz, foi divulgado. O outro ocorreu na Estação Ana Rosa e não teve conseqüências.

Mas, em ambos os casos, o trem que estava estacionado e foi enviado para atender passageiros nas estações mais lotadas não conseguiu se alinhar nos trilhos. É que outro trem, que deveria ter parado ao receber o sinal do centro de controle operacional, não parou. Essas operações são corriqueiras e normalmente não ocorre problema, porque o sistema de frenagem dos carros é comandado por computador. Nessas duas ocasiões, isso não aconteceu e acabou afetando todo o sistema. No primeiro caso, a paralisação durou dez minutos.

Quando ocorrem situações desse tipo, que o Metrô classifica como IN, uma equipe é designada para tentar reproduzir o problema, com simulações. Mas em nenhum desses casos a pane ocorreu novamente. "Há uma probabilidade remotíssima de ter ocorrido um problema momentâneo no sistema. O que deve ter ocorrido é falha humana", afirma Tambelli. Esses trens fazem parte da Linha 1, a mais antiga do metrô, que não tem caixa-preta. "Portanto, não é possível provar isso."

Um dossiê feito por funcionários de manutenção, entregue à área de engenharia do Metrô, previa esse tipo de falha no segundo semestre de 2004. Problemas nas soldas de equipamentos, rompimento de disco de freios dos trens e falhas como as que ocorreram nas Estações Ana Rosa e Luz também são descritos no relatório. "Observamos quedas de peças dos trens nas vias e afundamento de dormentes. Há risco potencial de acidentes", diz o texto.

MUITA GENTE

No meio dessa discussão entre funcionários e o governo, a população já percebeu que o número de passageiros cresceu além do que o metrô pode suportar e que trabalhar no limite de operação é a principal causa dos problemas.

O metrô e os trens respondem por 22,7% das viagens feitas por transporte coletivo na cidade, cujo total é de 47% dos deslocamentos diários. Os carros continuam sendo a opção de grande parte da população.

"Ter apenas 54 quilômetros de linhas de metrô numa cidade como São Paulo é medíocre", diz o engenheiro Sérgio Costa, do Instituto de Engenharia (IE). "Precisamos de dinheiro federal para ampliá-lo."

Para o especialista em transporte Jaime Waisman, professor da Politécnica da USP, a relação entre tempo de uso dos trens - alguns com 30 anos -, excesso de passageiros e manutenção tem de ser levada em conta. "Aquela famosa manutenção periódica do metrô talvez precise ser intensificada. É preciso rejuvenescer esses equipamentos, que podem ultrapassar 50 anos de uso."