Título: O peso dos transportes
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2005, Espaço Aberto, p. A2

Esta semana entrou em vigor o Protocolo de Kyoto, com mais uma questão complicada pela frente. A União Européia, sob protestos de "ambientalistas" e cientistas, não tomou, em sua reunião do dia 9 último, nenhuma decisão sobre o que fazer depois de 2012, quando termina o período acertado no protocolo para que os países industrializados reduzam em 5,2% (sobre os níveis de 1990) suas emissões de poluentes que intensificam o efeito estufa e favorecem mudanças climáticas (como Estados Unidos e Austrália não homologaram o protocolo, a redução será ainda menor que os 5,2% - quando o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas recomenda redução de 60%).

Esperava-se que a União Européia decidisse algo para depois de 2012, de modo a pressionar o presidente George W. Bush, durante sua visita a Bruxelas no próximo dia 22, a homologar o protocolo. Mas não aconteceu. E o que aconteceu sugere que os países ditos em desenvolvimento devem prestar atenção, porque:

Colocou-se muita ênfase no aumento de emissões que neles ocorrerá, lembrando que até 2030 eles já serão responsáveis por mais de 50% das emissões globais (a Europa, por menos de 10%);

discutiu-se muito a necessidade de reduzir, em todo o mundo, as emissões geradas pelo setor de transportes - o que pode significar problemas adicionais para o transporte aéreo (que responde por 3% das emissões globais) e marítimo (outros 3%) no mundo todo, inclusive no Brasil. A Europa, por exemplo, discute se vai cortar 24 bilhões de euros por ano em subsídios aos combustíveis fósseis. Quanto custaria aqui?

O setor de transportes já respondia em 1972 pela emissão de 3,5 bilhões de toneladas anuais de dióxido de carbono. Passou para 4,5 bilhões de toneladas/ano em 2002 (as emissões totais foram de 24,1 bilhões de toneladas/ano), com um aumento de 22,9% em relação a 1990 (data-base do Protocolo de Kyoto). Se o aumento de emissões no setor prosseguir no ritmo em que vai, elas chegarão a 9 bilhões de toneladas em 2030. Insustentável, têm dito todos os especialistas.

Na reunião da Convenção sobre Mudanças Climáticas, em dezembro último, o tema já tivera muito destaque nos pronunciamentos, todos eles destacando que nesse setor as emissões proporcionalmente crescem mais que em todos os outros. E seus custos anuais já chegam na Europa a 7% do PNB regional (dois terços para o transporte de passageiros, um terço para as cargas). Se a isso se somarem mais 3% de custos decorrentes de congestionamentos, serão 10%. No conjunto, o transporte por automóveis, ônibus e caminhões responde por 80% desses custos adicionais; o aéreo, por 15%; e o ferroviário, por menos de 5%.

O transporte por avião custa (1.000 toneladas/quilômetro) três vezes mais que o rodoviário, 16 vezes mais que o ferroviário, que também custa cinco vezes menos que o rodoviário. O transporte por automóvel custa o dobro do transporte em ônibus. Em euros, o custo do transporte rodoviário de 1.000 toneladas de cargas por quilômetro é de 87,8, cinco vezes mais que o ferroviário (17,9 euros), quase quatro vezes mais que o aquático (22,5 euros). Mas representa menos de um terço do custo do transporte aéreo (271,3 euros). A relação muda quando se trata de transporte de passageiros: 76 euros por 1.000 passageiros por quilômetro em automóvel, 52,5 euros em avião, 37,7 euros em ônibus e 22,9 euros em ferrovia.

Por isso tudo, a pressão vai concentrar-se sobre o transporte aéreo e sobre o automóvel. Já começou, aliás, em muitos países. A Suíça, por exemplo, aprovou em referendo uma taxa a ser cobrada de veículos pesados, que em 15 anos deverá significar uma arrecadação de 11 bilhões de euros. A cobrança de pedágio sobre automóveis em áreas urbanas vai-se ampliando na Europa (a partir do exemplo de Londres, já comentado aqui, que se estende a outras cidades) e na Ásia.

Evidentemente, não é solução ideal. Mas que se pretende fazer em países como o Brasil, em cidades como São Paulo - onde o transporte, diz a Associação Nacional de Transporte Público, já ocupa mais de metade do espaço urbano, se se somarem o espaço viário, garagens e estacionamentos? As mortes no trânsito em algumas capitais brasileiras já estão na casa das centenas por milhão de passageiros. Os custos da poluição do ar para o sistema de saúde são brutais (no mundo "em desenvolvimento", diz a Organização Mundial de Saúde, morrem 700 mil pessoas por ano em conseqüência desse tipo de poluição).

E os prejuízos não são apenas na área de saúde. Já se mencionaram aqui os cálculos do especialista Nelson Choueri, segundo quem o desperdício de horas no trânsito paulistano significa uma perda de 165 vidas úteis (em horas de trabalho) por dia, 50 mil por ano, com um custo de R$ 14,4 bilhões anuais, mais que todo o investimento anual necessário para em 20 anos estender a rede de metrô a toda a cidade (ela só tem 57 quilômetros).

Mas outras lógicas continuam prevalecendo. Não se consegue sequer fazer o que se praticava há 60 anos, que era proibir cargas e descargas em certas áreas da cidade das 7 às 19 horas, mesmo sabendo que hoje, das 20 às 6 horas, a ociosidade do sistema viário urbano é de 78%. Nem se consegue escapar à lógica estapafúrdia de retirar 20% dos carros com o rodízio e licenciar 200 mil carros novos por ano (o que em cinco anos anula totalmente os efeitos iniciais do rodízio).

Continuamos presos a caminhos que a realidade e a ciência já se cansaram de dizer que são insustentáveis. Custará cada vez mais caro.