Título: 65 mil pessoas estão sem o coquetel antiaids em São Paulo
Autor: Chico Siqueira
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2005, Vida &, p. A12

Medicamentos que fazem parte do coquetel antiaids estão em falta em várias partes do País. No Estado de São Paulo, onde se concentram 50% dos soropositivos, a redução no volume enviado aos ambulatórios faz com que 65 mil pacientes em tratamento comecem a deixar de tomar os remédios para controlar a doença. Os técnicos dizem que a situação é "muito grave" e pode chegar a um colapso nas próximas semanas. A coordenadoria do Programa DST/Aids do Estado está sendo obrigada a fazer remanejamentos para atender os 160 centros de distribuição. Na capital, parte dos pacientes ficou a semana passada inteira sem receber remédios. A situação foi amenizada anteontem com o remanejamento, que tirou medicamentos de um centro e transferiu para outros.

Ontem foi a vez de Campinas. Mas a oferta só daria para mais um dia nas duas cidades. "Vai durar no máximo até amanhã (hoje)", disse Alexandre Gonçalves, da Divisão Saúde do Programa DST/Aids do Estado.

A falta é atribuída ao governo federal, que desde novembro reduziu o volume de remédios entregues. Segundo Gonçalves, as justificativas dadas pela União são que não há matéria-prima para fabricação de medicamentos produzidos no Brasil e prejuízos no envio de importados por conta da quebra de patentes. Procurado pelo Estado, o Ministério da Saúde não se pronunciou até as 20 horas.

Mensalmente, o Estado consome 1,8 milhão de cápsulas de Biovir. Em janeiro, recebeu 330 mil. Em fevereiro, apenas 60.600. O consumo de AZT é de 1 milhão de cápsulas por mês. Em janeiro, a União enviou 510 mil. Em fevereiro, nenhuma. O mesmo ocorreu com o Atanzanavir, cujo consumo mensal é de 197 mil cápsulas no Estado. Em janeiro, nenhum lote chegou. Em fevereiro, apenas um, com 45 mil cápsulas.

A defasagem vinha sendo controlada por estoques feitos nos últimos anos. A reserva era remanejada para evitar que uma grande massa de pacientes ficasse sem atendimento. "O problema é que estamos fazendo isso desde novembro e está chegando um momento de não termos mais de onde remanejar", diz Gonçalves.

"Os estoques de segurança esgotaram e os quantitativos que o ministério manda são insuficientes", confirma Elcio Nogueira Gagizi, do Programa Municipal de DST/Aids da capital. No último lote, as unidades de distribuição receberam apenas 28% da cota mensal de AZT, 18,6% da de Azatanavir e não receberam AZT. A Prefeitura atende cerca de 8 mil pacientes em 16 locais.

Em São José do Rio Preto, os doentes estão recorrendo à Justiça para obrigar o Poder Público a fornecer os medicamentos. Desde a semana passada, quando a falta se intensificou, 15 ações deram entrada no Fórum da cidade. Cerca de 500 pacientes estão sem receber os remédios.

BOMBONS

Depois de passar pelo período mais difícil da sua vida, em 1998, a cozinheira Vera Lúcia Tavares Jovita, de 47 anos, enfrenta hoje uma tristeza tão grande quanto naquela época, quando descobriu que era HIV positivo. Ela foi infectada pelo marido, que a abandonou. Teve de largar o emprego para cuidar do casal de netos porque uma de suas filhas morreu de aids. Nesta semana, ela está sem os remédios. "Os meus bombons, como chamo os comprimidos, faltaram", lamenta. "Fiquei triste demais quando o farmacêutico disse que não tinha." Paciente exemplar, Vera não perdia o horário dos "bombons". Segundo ela, no mês passado recebeu o medicamento apenas para 15 dias.

O médico infectologista de Vera, Robinson Fernandes de Camargo, diz que suspender o medicamento é um problema gravíssimo. "Ficar uma semana, e certamente ela vai ficar mais sem os remédios, tem o risco de resistência viral", explica. "Isso faz com que se perca a classe do medicamento e pode ser que quando ela volte a tomar, não funcione mais."

"Sempre trabalhamos para a adesão dos pacientes, brigamos para que eles tomem o remédio corretamente e hoje nós que não conseguimos garantir essa adesão", reclama Camargo, da Prefeitura de São Paulo.