Título: Xiitas ficam com mais da metade das cadeiras na Assembléia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2005, Internacional, p. A16

A Comissão Eleitoral do Iraque anunciou oficialmente ontem a distribuição das 275 cadeiras da Assembléia Nacional eleita no dia 30, depois de um cálculo que excluiu os partidos ou candidatos com menos de 30.750 votos. Com isso, apenas 12 dos 111 partidos ou listas de candidatos conseguiram assentos no Legislativo que redigirá a Constituição e nomeará um governo de transição. Pela primeira vez os xiitas serão maioria numa instância de poder no país. A Lista Unida Iraquiana, apoiada pelo grão-aiatolá Ali al-Sistani, ficou com 140 cadeiras, o que lhe garante maioria simples, insuficiente, porém, para eleger o governo se não se compuser com outros grupos. Essa coalizão obteve 48% dos votos. No entanto, como dezenas de partidos não conseguiram atingir o patamar mínimo, a votação deles foi redistribuída entre os 12 grupos eleitos, que acabaram conquistando mais cadeiras do que o previsto inicialmente.

Setenta e cinco cadeiras foram para a Aliança Curda, o segundo bloco mais votado e provável aliado da coalizão de Sistani na votação que definirá os cargos de presidente, vice-presidentes e primeiro-ministro.

O grupo do atual primeiro-ministro interino, o xiita moderado Iyad Allawi, a Aliança Iraquiana, conquistou só 40 cadeiras.

A eleição do presidente e dois vices requer os votos de dois terços dos deputados. Depois, caberá a esse "triunvirato" a escolha do primeiro-ministro, que será o homem forte do governo. O mais cotado para primeiro-ministro é o médico Ibrahim al-Jaafari, líder do Partido Dawa, um dos grupos que integram a Aliança Unida Iraquiana. Sua indicação pela Aliança é dada como praticamente certa por fontes nessa coalizão, embora o político Ahmed Chalabi também esteja disputando a nomeação.

Analistas políticos dizem que a Aliança Curda poderia apoiar o nome de Jaafari em troca da indicação de um político curdo para a presidência - cargo que essa minoria tem reivindicado para si.

Um dos grandes problemas da Assembléia será buscar a inclusão no processo político dos árabes sunitas, que representam de 20% a 25% da população e boicotaram a eleição ou foram impedidos pela violência dos grupos rebeldes de comparecer às urnas.

A eleição mudou dramaticamente a distribuição de poder no Iraque, antes concentrado nas mãos dos sunitas. Ontem Allawi advertiu a coalizão xiita vencedora de que não poderá levar adiante seu programa de governo se excluir membros do dissolvido Partido Baath, do ex-presidente Saddam Hussein. Allawi conclamou o próximo governo a focar sua atenção na consolidação da unidade nacional e na promoção da reconciliação.

Outras figuras políticas influentes vêm discutindo uma forma de incorporar políticos árabes sunitas no processo de transição e na redação da Constituição que terá de ir a referendo. Se a Carta for rejeitada por mais de dois terços da população de pelo menos três províncias, não terá validade. E os sunitas são maioria em várias províncias. "Não podemos considerar a Constituição completa e perfeita se todos os iraquianos não participarem de sua elaboração", observou Jaafari.

Outra questão que ganha corpo é a retirada das forças de ocupação. Dirigentes sunitas querem que seja fixado um cronograma para a saída das forças dos EUA e aliados, mas Jaafari e outros líderes xiitas têm se recusado a falar em prazos enquanto não for contida a ação dos grupos rebeldes.

Ontem, extremistas puseram na internet uma fita de vídeo mostrando um iraquiano seqüestrado, com nacionalidade sueca, implorando para que os reis da Suécia e o papa João Paulo II intercedam por sua libertação. No dia anterior, os rebeldes divulgaram outra gravação na qual a jornalista italiana Giuliana Sgrena fazia um apelo para que a Itália retire suas tropas do Iraque, conforme exigem seus captores. Mas a Itália renovou sua permanência no país.