Título: Frankenstein político
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2005, Editorial, p. A3

O presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Luiz Tâmbara, concedeu liminar suspendendo a vigência da lei que criou, em julho de 2004, conselhos de representantes nas 31 subprefeituras de São Paulo. A lei foi considerada inconstitucional, assim como os artigos 54 e 55 da Lei Orgânica do Município, que ampararam a criação dos conselhos.

Conforme o desembargador Luiz Tâmbara, esses dispositivos interferem na esfera de exclusiva iniciativa do chefe do Executivo. Poderiam "engessar a atuação do Executivo Municipal, no trato de seus assuntos de política administrativa" em razão do "aumento da despesa pública, com prejuízo irreversível ao erário". A Constituição Federal estabelece competência exclusiva ao chefe do Executivo na criação de órgãos que tragam despesas para os cofres públicos. No modelo de conselho aprovado pela Câmara, os membros eram remunerados.

Fracassa, assim, a tentativa da administração Marta Suplicy de incorporar a "participação popular" na administração da cidade. A criação das subprefeituras e dos conselhos de representantes foi uma das bandeiras eleitorais de Marta Suplicy na campanha de 2000.

Aproveitando-se dos escândalos de corrupção nas administrações regionais, protagonizados pelos apadrinhados dos vereadores, ocupantes dos principais cargos das unidades, a então candidata a prefeita prometeu promover uma ampla reforma administrativa, baseada na descentralização de decisões e na participação popular, com vistas à moralização da máquina.

A descentralização se resumiu na substituição das 27 administrações regionais por 31 subprefeituras, mas os vereadores, durante o governo Marta Suplicy, continuaram dominando as unidades, indicando apadrinhados para os cargos de confiança e de subprefeitos.

A participação popular, por meio da criação dos conselhos de representantes, foi adiada ao máximo. Durante três anos e meio o projeto de lei foi negociado com os vereadores contrários à idéia e só foi aprovado, em julho, depois que o modelo de conselho a ser adotado foi reformulado, seguindo as exigências da base governista.

Inicialmente planejados para fiscalizar a ação dos subprefeitos e indicar as necessidades dos cidadãos, os conselhos de representantes, compostos por 27 membros escolhidos em eleição popular, acabaram se transformando, segundo o texto da lei aprovada pela Câmara, em um instrumento a mais para ampliar a influência dos vereadores nas subprefeituras.

Pelo texto aprovado, 9 dos 27 conselheiros de cada subprefeitura seriam indicados pelos partidos. Foi assim que Marta Suplicy convenceu os vereadores da necessidade de instalar a administração "participativa". Passaram a aceitar a idéia e a apoiar o projeto até mesmo aqueles que temiam que os conselheiros se tornassem concorrentes temíveis, não só subtraindo-lhes poder nos redutos eleitorais e liberdade de ação dentro das subprefeituras, mas ameaçando-lhes a reeleição.

Ao sancionar a lei, a ex-prefeita Marta Suplicy comemorou o "gol de placa". A negociação com os vereadores garantiu a ela a chance de anunciar, na campanha à reeleição, o tão esperado início da "participação popular". Perdeu a eleição e deixou para seu sucessor o que o secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras, Walter Feldman, classificou de "Frankenstein político".

A decisão do presidente do Tribunal de Justiça desfaz aquele jogo de interesses. A participação popular nas decisões e na fiscalização dos assuntos municipais pode ser instrumento eficaz na gestão da coisa pública. Há de se considerar, no entanto, que se trata de um processo de instalação complexo, que precisa ser exaustivamente discutido e planejado. Ao criar um sistema que teria de ser implantado a toque de caixa e ao arrepio da Lei Maior, o governo anterior só ampliou estruturas já contaminadas pelas práticas de corrupção e clientelismo.