Título: Déficit da Previdência
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2005, Editorial, p. A3

O crescimento do déficit da Previdência em 2004 num ritmo inesperado, mesmo tendo a receita crescido duas vezes mais do que a economia, é reflexo de problemas estruturais graves, dos quais os principais responsáveis pelo setor não parecem ter-se dado conta.

Nos 11 primeiros meses do ano passado, o déficit registrado nas contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alcançou R$ 25,2 bilhões. Os números de dezembro ainda não foram divulgados, mas, de acordo com o ministro da Previdência e Assistência Social, Amir Lando, o déficit de 2004 ficou cerca de R$ 3 bilhões acima do previsto. Isso significa que as despesas do INSS superaram sua arrecadação em cerca de R$ 32 bilhões. E isso aconteceu num ano particularmente positivo para a receita previdenciária, que cresceu quase 11% em termos reais, contra aumento de cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Mas o aumento do déficit da Previdência mesmo nessas circunstâncias não foi suficiente para comover o ministro da Previdência. Em declarações ao jornal Valor, Lando disse que não faz parte de sua agenda a discussão de uma nova rodada de reformas do sistema previdenciário brasileiro. Na sua opinião, não caberá a este governo propor novas mudanças nas regras da Previdência que resultem em redução de benefícios ou aumento de receitas. A reforma que ele busca é a da gestão, por meio de um "choque de eficiência" na estrutura de seu Ministério, para combater irregularidades do lado dos pagamentos e das contribuições.

É importante que o ministro esteja preocupado em combater irregularidades. Mas esse combate é tarefa rotineira do Ministério. E, sempre que a fiscalização se intensifica, os resultados surgem. No ano passado, por exemplo, como o Ministério acaba de anunciar, a recuperação de créditos por meio do trabalho dos procuradores da área tributária do INSS alcançou R$ 3,6 bilhões, bem mais do que a meta de R$ 2 bilhões. Do lado dos benefícios, a fiscalização agora combate, por meio de cruzamento de informações, inclusive os relativos a óbitos, aqueles obtidos de maneira irregular. Também por esse lado os resultados poderão ser significativos.

Mas, ainda que produtivas, e necessárias, essas ações não atacam o principal problema da Previdência Social, que é o crescimento contínuo de seu déficit, e num ritmo impressionante. Há oito anos, alcançava R$ 1,5 bilhão e, mesmo depois de duas reformas, em 1998 e 2003, continuou a aumentar.

O ministro Amir Lando aponta alguns fatores excepcionais que fizeram crescer os gastos no ano passado, como o pagamento de parte da dívida contraída pelo governo por causa da não correção dos benefícios entre 1994 e 1997 de acordo com o salário mínimo. Dos R$ 12,3 bilhões devidos, foram pagos R$ 3,9 bilhões em 2004. Mas, da mesma forma que houve gastos extras, também se registraram receitas excepcionais no ano passado, como mostrou o ex-ministro da Previdência José Cecchin. Mudança na sistemática de provisionamento dos benefícios, que passou a ser feito no mesmo dia do pagamento e não mais na véspera, a transferência da conta da renda mensal vitalícia de 600 mil pessoas para o Tesouro e o aumento do teto do recolhimento, por exemplo, tiveram impacto positivo de R$ 4,6 bilhões nas contas da Previdência.

Para 2005, o governo prevê déficit de cerca de R$ 30 bilhões. O Ministério da Previdência considera que medidas de combate à sonegação poderão compensar o impacto que o aumento do salário mínimo para R$ 300 terá sobre os gastos. O ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega calcula que o novo mínimo implicará gastos de R$ 6,5 bilhões além do previsto na proposta orçamentária. Mesmo que, na hipótese mais otimista, o governo consiga, por meio de uma repressão mais intensa à sonegação e às fraudes, obter recursos nesse montante, o que parece duvidoso, ainda assim, o déficit da Previdência continuará muito alto. Porque precisa cobri-lo, o governo dispõe de muito pouco espaço para reduzir os impostos e sua dívida. E ainda é forçado a tirar recursos de outras áreas, como a dos investimentos, o que resulta em gargalos na área de infra-estrutura que reduzem o crescimento. Mas nem isso perturba o ministro Amir Lando. Como que alienado, ele não vê necessidade de se combater mais seriamente o déficit da Previdência.