Título: Brasil busca a cura da doença na mata
Autor: Donald G. McNeil Jr
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2005, Vida &, p. A14

Todos os anos, pelo menos 300 milhões de pessoas contraem malária no mundo, das quais cerca de 1 milhão morrem, a maioria na África. No Brasil, são 500 mil novos casos por ano e cerca de 100 mortes. Conhecida do homem há séculos, a doença não tem vacina e os medicamentos existentes começam a perder a eficácia, por causa da resistência que os parasitas causadores do mal desenvolvem a eles. Por isso, em vários países, pesquisadores tentam descobrir novos remédios para a malária. No Brasil, pelos menos dois grupos de cientistas se voltaram para a biodiversidades das florestas nacionais e estão atrás de plantas que possam fornecer novas moléculas ou compostos com atividade antimalárica. O ponto de partida foi a etnofarmacologia, isto é, o conhecimento tradicional de comunidades que vivem nas matas ou próximo delas e conhecem as propriedades medicinais de várias plantas.

Um dos grupos é o da pesquisadora Antoniana Ursine Krettli, do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte, que desde a década de 1980 vem pesquisando plantas com propriedades antimaláricas. A princípio, a equipe mineira adotou uma abordagem empírica, procurando novas moléculas e compostos com atividades contra a malária a partir de plantas medicinais em geral.

Segundo Antoniana, este trabalho foi inspirado nos pesquisadores chineses, que redescobriram a Artemísia annua, de uso milenar contra a malária, e isolaram dela os derivados do artesunato (ou artemisinina), um dos mais importantes antimaláricos atuais. "Tivemos pouco sucesso nessa estratégia", diz. "Testamos extratos de mais 300 vegetais não selecionados e apenas 3 foram ativos contra a malária."

Por isso, a pesquisa foi redirecionada. O grupo passou a testar aquelas plantas usadas na medicina popular contra febre, malária ou como protetor do fígado. Foram identificadas cerca de 150 espécies citadas como remédios na Amazônia ou na literatura brasileira para esses males. "Testamos extratos de 56 dessas espécies, das quais 35, ou 62,5%, apresentaram atividade antimalárica", revela Antoniana.

O outro grupo de pesquisa reúne cientistas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em 350 dias de expedições por sete municípios do vale do Rio Solimões, os pesquisadores entrevistaram 71 moradores locais. "O objetivo do trabalho foi fazer um levantamento das plantas utilizadas para o tratamento da malária", explica o agrônomo Lin Chau Ming, da Unesp, que coordenou o estudo. "Registramos 126 espécies utilizadas no combate à doença e a seus sintomas como febre, dor no fígado e tremedeiras."