Título: A guerra milionária contra a malária
Autor: Donald G. McNeil Jr
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2005, Vida &, p. A14

No mês passado, a Fundação Bill e Melinda Gates prometeu US$ 43 milhões para as tentativas de um bioquímico da Califórnia de modificar geneticamente bactérias para desenvolver uma droga contra malária que normalmente é cultivada em plantas com 1,8 metro de altura na Ásia. Também recentemente, a Medicines for Malaria Venture, parceria público-privada de Genebra, disse que a principal candidata entre 21 drogas da nova geração que está testando é um sintético conhecido como OZ277. A busca por novas curas da malária nunca cessam e encontrá-las é crucial, segundo especialistas.

"Este é um momento empolgante para o desenvolvimento de medicamentos contra a malária", disse Dyann Wirth, infectologista que chefia a Harvard Malaria Initiative. "Com o seqüenciamento de genomas, podemos procurar dezenas de possíveis alvos." Mas a pesquisa é bastante difícil. Muitos produtos químicos podem matar os parasitas da malária, mas captar o certo no qual investir milhões de dólares na esperança de salvar milhões de vidas é uma luta intensa para cientistas.

Qualquer droga candidata precisa ser suficientemente poderosa para matar o parasita, mas ainda segura o bastante para ser dada a uma criança malnutrida, cujo hospital é uma choça e cuja enfermeira é uma mãe analfabeta nervosa.

O medicamento tem de ser capaz de penetrar no cérebro para atacar a malária cerebral, mas não destruir o fígado, que o parasita usa como viveiro. Deve vir na forma de drágeas, em vez de uma gota intravenosa, e curar rapidamente porque as pessoas param de tomá-lo quando a febre diminui.

Talvez o mais difícil de tudo é que precise ser muito barato. A maioria das pessoas que moram nos locais onde há malária vive com menos de US$ 3 por dia. "Se fôssemos cultivar o ativador tissular do plasminogênio, eu poderia desenvolvê-lo numa glucose misturada com ouro. Nesse caso, o custo é crucial", disse Jay Keasling, o receptor da doação de Gates, falando sobre uma droga cuja dose custa US$ 2 mil.

MUTAÇÃO

A malária é uma das maiores assassinas do mundo. São 300 milhões de casos por ano. Camponeses sem mosquiteiros podem contraí-la cinco ou seis vezes em cada estação chuvosa. Mata cerca de 1 milhões de pessoas, o mesmo número de americanos que morrem anualmente de doenças cardíacas. A maioria das vítimas é de crianças e grávidas. O causador segue em mutação, com espécies resistentes aos medicamentos. A cloroquina, o quinino sintético exaltado como um milagre há 30 anos, é agora quase inútil.

Poucas empresas, porém, vêem lucro nos medicamentos antimalária. Assim, os maiores patrocinadores das pesquisas são laboratórios militares, governos e fundações particulares. Só a Fundação Gates já doou cerca de US$ 300 milhões nos últimos anos para a Medicines for Malaria Venture, para a Malaria Vaccine Initiative e para inovações promissoras como a de Keasling.

Praticamente todos os especialistas concordam que os novos regimes de tratamento da malária têm de ser coquetéis de duas ou três drogas, como ocorre com os da aids. A espinha dorsal da maioria dos novos regimes para reprimir surtos é a artemisinina e seus parentes artemeter, artesunato de sódio e diidroartemisina.

Todos matam parasitas depressa, mas desaparecem rapidamente do sangue. Portanto, é preciso acrescentar uma droga duradoura que "faça o extermínio", disse Wirth. O uso da segunda droga também ajuda a garantir que todos os parasitas morram, de forma que uma mutação que gere uma espécie resistente tenha menos possibilidade de ser transmitida.

Embora haja muitas drogas antimalária, todas pertencem a uma destas três classes: artemisininas, quininos e antifolatos. Uma mutação resistente a um remédio pode afetar todas as drogas da sua categoria.