Título: Em artigo, Lula diz que não segue políticas de FHC
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2005, Economia, p. B9

A sociedade brasileira participa como nunca da elaboração do orçamento nacional. Quem dá essa informação ao resto do mundo é o presidente Lula, num artigo de duas páginas publicado na revista Global Agenda, numa edição preparatória da reunião do Fórum Econômico Mundial. No artigo, ele nega que tenha continuado as políticas do governo anterior. "Fizemos o que ele não fez, reconstruímos nossa economia, fortalecemos nossas instituições e, acima de tudo, conquistamos credibilidade tanto internamente quanto no exterior". Lula deverá chegar a Davos sexta-feira, para encontro com o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, e participar de eventos do Fórum e de reuniões com executivos de grandes grupos internacionais. Estes contatos estão previstos para sábado (ver programa nesta página).

No artigo para a revista, Lula sugere que a democracia brasileira só se completou com o governo do PT. "É tempo de celebrar o advento da plena democracia e da liberdade pública no País", afirma o presidente. Segundo ele, a sociedade tem sido capaz de se expressar da maneira mais livre possível e há completa liberdade de informação. Não há referência ao projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que o governo enviou ao Congresso e deixou morrer, depois de uma ampla reação contrária.

Mas a democracia tem outras dimensões: "A sociedade nunca foi tão ouvida, não só por meio de seus representantes no Conselho Econômico e Social, mas também nos milhares de consultas e debates por trás da formulação das políticas públicas do governo, incluído o orçamento nacional". Para realizar essas políticas, o governo, segundo Lula, teve de cuidar de uma administração de baixa qualidade em todos os sentidos. "Herdamos uma ineficiente máquina administrativa, desprovida em alto grau de orientação republicana e sem ambição de executar políticas em benefício da maioria".

O artigo é um balanço dos dois primeiros anos de gestão do governo petista. Há referências a dificuldades, principalmente aos problemas herdados, mas nenhuma indicação de fracassos ou de tropeços na atual administração. Até os ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia são citados de forma positiva, como organismos guiados pela preocupação de construir uma sociedade crescentemente baseada no conhecimento. O governo, segundo Lula, está dando ênfase à educação básica e à intermediária, assim como ao treinamento profissional.

ABISMO

Enquanto cuidava dessas tarefas, o governo salvou o Brasil do desastre. "Durante os dois primeiros anos, revertemos o processo que nos estava levando ao abismo. A catástrofe que predisseram, no País e no exterior, não ocorreu". Nenhuma palavra sobre como e quando começou a turbulência financeira e cambial de 2002, um dos episódios da campanha eleitoral.

A maior parte do artigo é uma reafirmação de temas prediletos do presidente Lula e de seus assessores para assuntos internacionais: "Estamos recuperando nossa auto-estima, começando de novo a ter orgulho de ser brasileiros". Essa afirmação é um dos mantras mais característicos da oratória presidencial.

Outro tema freqüente é o da soberania: "Este país precisa ter um controle soberano sobre seu desenvolvimento, reduzindo a dependência de insumos estrangeiros que pode tornar vulnerável sua economia, mas sem sucumbir às tentações de uma política isolacionista". O artigo não conta quais são os insumos ou fatores externos que ameaçam a condução soberana do desenvolvimento brasileiro.

No mesmo tom, Lula menciona os esforços de reconstrução do Mercosul e de "redefinição do lugar do Brasil no mundo". Cita o estreitamento dos vínculos com grandes países como China, Índia, Rússia e África do Sul, "fundamentais para novas relações Sul-Sul que mudem a geografia econômica e comercial do mundo".

A política externa é descrita como ativa e orgulhosa e empenhada em mudar as relações internacionais e o sistema de forças.

Há referências à formação do Grupo dos 20, uma frente favorável à reforma da política agrícola do Primeiro Mundo, e à atuação do Brasil no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial e à campanha global contra a fome.