Título: Em nome da lei do pior esforço
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2005, Nacional, p. A6

Há de haver uma explicação para o empenho do governo em geral e do presidente Luiz Inácio da Silva em particular na consolidação do pensamento banal, da palavra tosca e do ato irrelevante como valores representativos do caráter nacional. Seria de se esperar que, uma vez eleito, Lula fizesse um esforço - aproveitando as condições objetivas oferecidas pelo cargo - para superar suas deficiências de formação e tornar-se de fato um exemplo de ascensão social, política, educacional, cultural, e sobretudo pessoal.

Compreendendo um pouco mais a complexidade do universo ao redor, o presidente poderia, assim, traduzi-la com simplicidade e apuro aos milhões que viram nele a realização do sonho do brasileiro que "chegou lá".

Contrariando o curso da lógica, porém, o governo Lula tem andado para trás nesse quesito e parece particularmente interessado em valorizar a insuficiência, incentivar o despreparo, mostrar como é possível "chegar lá" mantendo-se preso exatamente ao que debilita o ser humano e impossibilita o desenvolvimento da coletividade: o desconhecimento.

Os exemplos dessa opção pelo nivelamento por baixo são diversos, constantes e ultimamente oferecidos de forma mais acentuada. A ponto de chamar atenção e despertar desconfiança sobre a possibilidade de essa involução ser proposital.

Não pode haver uma explicação a não ser o propósito previamente definido, para, por exemplo, o presidente da República dirigir-se a uma platéia de funcionários dos Correios nos termos em que o fez ontem durante uma solenidade de lançamento de um novo serviço da empresa.

A conjugação de argumentos irrelevantes - "duvido que haja no mundo um país que tenha um correio como o nosso" -, raciocínios triviais - "Deus não elege um pernambucano de Caetés todo ano" -, com um português ofensivo à nacionalidade - "a gente tem que ser gentis" - e conceitos socialmente excludentes - "para os de cima o pobre tem que ser pobre a vida inteira" - não combina com os atributos até congênitos de alguém que foi capaz de chegar à Presidência da República.

Até porque basta observar como ao longo desses dois anos Luiz Inácio da Silva mostrou-se perfeitamente apto a adaptar-se aos ditames de determinadas situações, quando quis e a ocasião assim exigiu. Não obstante a preservação da tendência de simplificar a realidade, as extravagâncias - incluindo as idiomáticas - do início sofreram um processo de contenção.

Qual o motivo agora dessa regressão ao ponto de origem?

Apresenta-se como crível apenas a suposição de que o presidente esteja fazendo um tipo, exagerando nas tintas do personagem para alcançar algum objetivo.

Como o alvo adiante, admite-se publicamente e sem pejo no governo, até porque assim permite a lei, é a reeleição, lícito concluir que resida aí a razão da opção pelo populismo desabrido que estamos a observar.

Considerando que o presidente sabe falar normalmente (sem preciosismos, mas no limite do linguajar aceitável) quando quer, qual a necessidade de discursar aos carteiros agredindo o português da forma como fez ontem, sem deixar quase nenhuma frase incólume?

Não faz jus à campanha do governo de incentivo à auto-estima do brasileiro a suposição de que para agradar aos humildes seja necessário dirigir-se a eles num "companheirês" que desqualifica o idioma, um dos mais fortes símbolos da soberania nacional.

Se os não-instruídos falam errado o português, certamente a maioria não o faz por escolha, charme ou diversão, mas por obra das deformações sociais por todos amplamente conhecida e pelo presidente sistematicamente lembrada.

Trata-se, portanto, não de uma situação a ser enaltecida, mas de algo a ser combatido, inclusive e principalmente com o esforço dos "de cima" (cujo representante mais acima é justamente o presidente da República) para elevar o patamar de expectativa de instrução.

Será cruel para com o Brasil se o departamento de propaganda e marketing do Palácio do Planalto estiver, como parece, empenhado em sustentar a campanha pela reeleição no enaltecimento da figura do presidente da República como o "brasileiro igualzinho a você", ressuscitando um já tentado, e malsucedido, lema de jornada eleitoral anterior.

Em 2002, Lula abandonou o nivelamento por baixo, vestiu um figurino mais próximo da representação da média da sociedade e ganhou a eleição. De certa forma e no crucial - a economia - ficou dentro do parâmetro e surpreendeu favoravelmente.

A escolha rendeu perdas na base social de origem, mas manteve o País à tona. Agora, há evidências de que o governo, à falta de discurso para o público que o elegeu dois anos e meio atrás, pretenda assegurar um novo período falando para aqueles que, segundo as pesquisas de opinião, sustentam em alta a popularidade de Lula.

É um caminho. Legítimo e admissível, desde que não signifique a imposição do império da lei do pior esforço a um país tão carente de qualificação.