Título: Cidade tensa aguarda vez do voto
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2005, Internacional, p. A19

Sexta-feira, dia de oração e descanso dos muçulmanos e antevéspera das eleições que, muitos acreditam, podem mudar o país. As ruas estão mais vazias que num fim de semana normal e a cidade parece ainda mais tensa. No frio da manhã de inverno de Bagdá, os comboios de Humvees de patrulha do Exército dos EUA estão por toda parte reforçando a segurança nas áreas próximas aos centros de votação, num esforço para evitar que os grupos insurgentes cumpram a ameaça de afogar o processo eleitoral num banho de sangue. Num quarteirão do Distrito de Kahada-Inside (na vizinhança há também os Distritos de Kahada-Outside e Kahada-Marian), na periferia de Bagdá, um dos comboios se detém e um grupo de cerca de 20 soldados começa a descarregar rolos de arame farpado e barras de ferro dos veículos blindados. A equipe de reportagem do Estado pede e recebe autorização para se aproximar dos militares, que bloqueiam uma rua que dá acesso a uma escola, onde serão instaladas urnas.

"A partir de agora, não passa mais nenhum carro por aqui", diz o soldado Taylor, sorridente, perguntando se está calor no Brasil nesta época do ano. "Aqui também tem esquentado bastante", brinca, depois de ouvir a resposta positiva.

Os americanos puxam os rolos de arame em três fileiras, estabelecendo o caminho que os eleitores terão de percorrer antes de serem revistados para ter acesso ao local. A entrada da escola fica a cem metros dali, numa rua de terra.

Nos dois quarteirões que serão cercados, vários automóveis de moradores ficam bloqueados. Não poderiam mesmo circular na cidade de hoje até segunda-feira, quando só veículos militares e da polícia estarão autorizados a sair às ruas, como reforço das medidas de segurança que ampliaram as restrições de movimento. Hoje, amanhã e depois de amanhã, as pessoas que estiverem nas ruas de Bagdá terão de provar que são funcionários eleitorais, eleitores registrados a caminho dos distritos eleitorais ou jornalistas credenciados pela administração militar da coalizão (leia-se EUA), pelo Ministério do Interior e pela Comissão Eleitoral Independente.

No interior da área cercada, uma região de maioria xiita - facção do islamismo cujos representantes devem sair vitoriosos da votação -, os moradores dizem não se importar com o fechamento das ruas e a presença ostensiva de soldados americanos e policiais iraquianos.

"Isso é bom. Precisamos de segurança para que todos votem no domingo", disse Khalid Rashid, metalúrgico, que mora numa casa vizinha à escola. "Não me incomodo com isso nem tenho medo dos terroristas. Tenho certeza de que, aqui, poderemos votar tranqüilamente." Um soldado da Guarda Nacional iraquiana vigia a porta da escola e impede o acesso de qualquer pessoa ao interior do edifício.

Diz que os jornalistas podem trabalhar à vontade na rua em frente, desde que não fotografem os soldados da polícia iraquiana. Os militares americanos, ao contrário, não se importam em aparecer nas imagens, quando consultados antes - agem de modo simpático, tanto com os jornalistas estrangeiros quanto com os civis iraquianos que estão na rua, observando a instalação dos bloqueios.

Mas, em Bagdá e todos os outros locais do Iraque, a população do país sabe que não deve se iludir com a aparência amigável dos militares dos Estados Unidos. Qualquer gesto mais brusco, qualquer atitude que possa fazê-los sentir ameaçados, provavelmente será seguida de um disparo.