Título: Governo fecha fronteiras e amplia o toque de recolher
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2005, Internacional, p. A19

O governo interino iraquiano impôs ontem medidas de segurança extraordinárias em todo o país para impedir que a escalada de ataques dos grupos rebeldes intimide os eleitores e prejudique a votação de amanhã. Serão escolhidos em eleição direta os 275 membros da Assembléia Nacional, que nomeará um governo provisório e redigirá uma Constituição. Estão fechadas as fronteiras terrestres do país. O toque de recolher, já em vigor há várias semanas em Bagdá e nas cidades mais conflitivas, foi estendido para quase todos os grandes municípios e teve seu período ampliado. Das 19 horas até as 6 da manhã os civis não podem sair às ruas. Também está proibida a circulação de veículos entre as províncias.

Com essas medidas as autoridades e as forças de ocupação esperam deter - ou minimizar - a onda de atentados com carros-bomba e os ataques da guerrilha contra seções eleitorais. A votação começou ontem sem incidentes no exterior, em 14 países (ler na página A20).

Pelo menos dez iraquianos e cinco soldados americanos morreram ontem em ataques em várias partes do Iraque. Um helicóptero americano de observação, um Kiowa, caiu ontem no sudoeste, disseram porta-vozes militares, sem especificar os motivos da suposta queda nem se houve vítimas. Esses aparelhos normalmente carregam dois ocupantes - se confirmada sua morte, as baixas dos EUA ontem no Iraque se elevariam para sete. Na quarta-feira, outro helicóptero caiu no oeste do Iraque, matando 31 marines e um marinheiro dos EUA. O comando militar sugeriu que teria sido um acidente.

Num dos ataques de ontem, um carro-bomba explodiu perto de um distrito policial no sul de Bagdá, matando quatro policiais. Um outro veículo com explosivos foi detonado perto de uma escola que servirá amanhã como seção eleitoral, sem causar vítimas. Seis soldados iraquianos morreram numa emboscada da guerrilha em Ramadi, a oeste da capital. Moradores disseram que eles foram decapitados

Com a proximidade da eleição a tensão aumentou no país, especialmente em Bagdá e nas cidades das áreas sunitas e curdas, nas quais é maior a atuação de grupos que resistem ao governo interino e à ocupação.

"Sair à rua amanhã será perigoso. Também é perigoso ficar aqui de pé agora", disse Talal Yaldeh, professor de 45 anos, que estava na fila de uma padaria e respondia apressadamente às perguntas. "Não quero levar um tiro por causa de pão."

Os ataques dos rebeldes à infra-estrutura petrolífera e às termelétricas têm provocado freqüentes cortes na eletricidade, no fornecimento de combustível e no abastecimento de água, tornando a vida cada vez mais difícil para a população.

Apesar de o governo interino ter anunciado ontem a captura de três importantes assessores do extremista Abu Musab al-Zaraqwi e garantir que está prestes a prendê-lo (ler na página A20), sua organização voltou a ameaçar ontem os eleitores. "Nós avisamos vocês. Não ponham a culpa em nós. Vocês só têm a si mesmos para culpar", advertiu Zarqawi em novo comunicado que repetiu a ameaça feita na quinta-feira.

As autoridades interinas iraquianas e o embaixador dos EUA em Bagdá, John Negroponte, insistiam ontem que parte dos sunitas vai votar, contrariando os apelos da maioria dos líderes religiosos e políticos dessa comunidade, que fizeram campanha pelo boicote. No entanto, a oposição à votação parece forte nas regiões predominantemente sunitas.

A eleição de amanhã é vista com esperança pelos muçulmanos xiitas, cerca de 60% a 65% da população, concentrados em áreas centrais e do sul e também em Bagdá. Essa comunidade foi fortemente prejudicada pelo regime de Saddam Hussein, que beneficiou a minoria árabe sunita (cerca de 15% da população). Entre a população curda, no norte, o interesse pela eleição também é grande, pois ela é vista como um primeiro passo para consolidarem sua autonomia.