Título: O nacionalismo quando nocivo
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2005, Espaço Aberto, p. A2

O excelente escritor Gustavo Corção, na década de 40 do século 20, pronunciou uma conferência para a UDN que causou polêmica no tocante à concepção de nacionalismo. Corção - cuja trajetória intelectual trocara o marxismo pela filosofia tomista -, citando Aristóteles, disse que o bom desempenho dos atos humanos exige o desenvolvimento de virtudes, a primeira das quais é a prudência, que preside a justiça. Criticou como imprudente e injusto o nacionalismo "de que se servem líderes ao recurso invariável de convencer as multidões de que seus males provêm de fora, das outras nações". Exemplificou com Hitler e os totalitaristas que dominavam a Europa, não poupando do mesmo exemplo Perón e Vargas, em escala menor. Caracterizou esse tipo de nacionalismo como uma "exaltação mórbida do sentimento de nacionalidade, um vício, em termos filosóficos, que se opõe à virtude do patriotismo".

Ao reler essa passagem da conferência do admirável autor de Lições do Abismo, refleti sobre a nocividade da "exaltação mórbida" que se tem confundido com patriotismo, que visa à grandeza da pátria. Já vivi isso, entre 1958-60, superintendente da Petrobrás na Região Amazônica. Nacionalistas exaltados faziam exacerbada campanha contra a presença, no governo JK, do geólogo Walter Link, um dos cinco mais competentes do mundo, na chefia da pesquisa da Petrobrás. Acusavam-no de ser "o sabotador número 1, regiamente pago para impedir a descoberta do petróleo". Seu famoso relatório - um documento que não era pessoal, mas de todos os geólogos e geofísicos, que o assinaram sem discordância, inclusive brasileiros - foi usado como "a prova" da sabotagem, pessimista quanto à possibilidade de províncias petrolíferas pesquisadas em terra.

Chegando Jango ao poder, exultaram os nacionalistas radicais. Era chegado o momento de demonstrar a sabotagem de Link. Contrataram-se, de logo, geólogos da estatal francesa, para julgar o relatório. Sem o êxito esperado, chamaram os soviéticos. Também eles, profissionais responsáveis, nada obstante o objetivo abstruso do contrato, não divergiram senão para vender desnecessárias sondas de maior capacidade de perfuração. Perdemos tempo e muito dinheiro na tentativa de encontrar o petróleo, o que provaria a sabotagem de Link. Ao contrário, bons resultados ainda obtidos, como os de contratos de risco no exterior - um deles com a descoberta de enormes jazidas na Iraque -, derivaram da recomendação constante do relatório Link, bem como maior pesquisa em Sergipe. Sem resultado em terra, a administração Geisel, na Petrobrás, voltou-se para pesquisa no mar territorial, cuja soberania nas 200 milhas fora garantida ousadamente por decreto de Médici.

Esse tipo de nacionalismo enganador e nocivo dá razão a Gustavo Corção, quando o diz uma "exaltação mórbida, um vício que se opõe à virtude do patriotismo". Repete-se no governo Lula. Ainda em campanha, fizeram-no crer que estávamos contratando por US$ 1,5 bilhão duas plataformas gigantescas em Cingapura, quando poderíamos construí-las aqui, criando 25 mil empregos. A velha e surrada acusação de entreguismo. A licitação foi cautelosamente suspensa até a posse do novo governo. Ouvido pela reportagem do jornal O Globo, o superintende da Organização Nacional da Indústria do Petróleo, Alberto Machado, disse que tecnologia tínhamos para construir plataforma de grande porte, como as P-51 e P-52, mas nos faltava era espaço físico, ou seja, estaleiros adequados. Ainda assim, ficariam com o Brasil mais de 50% dos itens da planta de processos, se a construção fosse no exterior. Ampliar a superfície dos nossos estaleiros implicava desapropriações de custo vultoso e a perda de milhares de dólares por dia de atraso. Alterado o edital, informava a mídia, com grande orgulho patriótico, "que seria mudado para a construção das plataformas no Brasil, segundo recomendação de Lula". Quase um ano depois, a Petrobrás, em caríssima publicação na mídia, orgulhava-se de que "a plataforma P-52 , uma das maiores do mundo, vai ser montada no Brasil". Ora, em vez da prometida construção, a montagem.

Não sou dos leitores habituais de Diogo Mainardi, mas um amigo, que sabia de dois artigos meus, no Jornal do Brasil, criticando a farsa entre construção e montagem da P-52, insistiu que lesse o cronista da Veja. Ele afirma: "A P-52 está sendo feita num estaleiro de Cingapura. Repito, Cingapura, e não Brasil. Será entregue com um ano de atraso e irá custar 300 milhões de dólares a mais." Esclarece que a P-51 também será construída em Cingapura, "pelos mesmos 300 milhões de dólares a mais, mas o atraso estimado será de dois anos. As plataformas produzem 180 mil barris por dia. Cada ano de atraso, portanto (com a suspensão da licitação anteriormente feita) corresponde a uma perda de quase 3 bilhões de dólares". Somando tudo, afirma Mainardi, que deve ter dados comprobatórios, a perda será de US$ 14,6 bilhões. Aos nacionalistas mórbidos, de Corção, ficou a Petrobrás a dever o custo, não pequeno, da busca da "prova" da sabotagem de Link, nos anos 50, e agora os bilhões de dólares da mentira que impingiram ao presidente Lula. Some-se a isso o atraso para alcançarmos a auto-suficiência, dada a queda da produção.

A Petrobrás, ao contrário do BNDES, tem obrigações para com milhares de acionistas, a quem não presta conta de seus desmandos.