Título: Com o aval do presidente
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2005, Nacional, p. A6

Aproxima-se a temporada anual de invasões promovidas pelo Movimento do Trabalhadores Rurais Sem-Terra e grupos correlatos, e mais uma vez o governo federal confere aval e normalidade a atos ilegais. Enquanto o MST joga com a habitual ambigüidade - ora dando garantias de que conterá seus radicais e vai se manter nos limites da conveniência, ora ameaçando com mais um "abril vermelho" de vale-tudo -, o governo é explícito na concessão de licença para que as invasões ocorram em ambiente de total tolerância.

Ontem o presidente do PT, José Genoino, manifestou-se contrário "aos métodos" do MST, dizendo-se, nesta avaliação, porta-voz do partido. Sendo assim, temos uma divergência clara de opiniões entre o PT e o presidente da República, o governo, portanto.

Três dias antes, o presidente da República havia feito uma profissão de fé de apoio irrestrito ao qualificar o MST como "um dos mais sérios e respeitados movimentos do País".

Luiz Inácio da Silva disse isso durante inauguração da fábrica de celulose Veracel, em Eunápolis (BA), na área invadida no "abril vermelho" do ano passado por 3.600 famílias de sem-terra sob a justificativa de que o empreendimento expulsara o pequeno produtor de sua terra.

Na ocasião, houve condenação até por parte do Ministério do Desenvolvimento Agrário, visto tratar-se de uma ocupação de propriedade em franco processo de investimento produtivo.

Na sexta-feira, logo após a inauguração da fábrica, Lula foi visitar o acampamento de 780 famílias montado próximo dali, em terras invadidas da Veracel e justificou: "Vocês não têm culpa de estarem acampados aqui. A culpa é da estrutura."

No tocante à "seriedade" do MST, o presidente não deixou dúvidas, pois usou o termo do idioma português para expressar reconhecimento à integridade de algo ou alguém. Externou um juízo de valor próprio que, em termos hierárquicos, tem muito mais impacto e veracidade como concepção de governo do que a discordância sobre os métodos expostos pelo presidente do PT.

Quanto a classificar o MST como um dos mais "respeitados" movimentos do País, talvez o presidente da República tenha se precipitado um pouco ao falar em nome do conjunto dos cidadãos, dada a avaliação não tão positiva assim sobre as ações do MST apontada em pesquisas de opinião pública.

Não ficou claro, porém, a que "estrutura" madrasta se referia o presidente: se à da empresa que investe US$ 1,25 milhão num negócio - o que significa dinheiro e empregos -, se à da política do Ministério do Desenvolvimento Agrário, ou se o problema era a "estrutura" secular da injustiça social no País.

Em qualquer das hipóteses, as palavras do presidente não correspondem ao que se espera do chefe da Nação. Além da capacidade de oferecer soluções sem eternizar-se na constatação dos problemas, o líder político tem sobretudo a obrigação de defender a Constituição, representar o interesse da maioria e mediar conflitos para assegurar a paz social.

Ao conferir a condição de seriedade e respeito às invasões do MST, Lula fere o conceito da legalidade. Infringe o princípio da legitimidade ao usar sua delegação popular para transferir à "estrutura" a responsabilidade sobre atos ampla e sistematicamente condenados pela maioria.

Com isso, não reduz o potencial de conturbação contido nas temporadas anuais de agressão ao princípio constitucional da propriedade. Ao contrário, antes incentiva o Movimento dos Sem-Terra na produção de um "abril vermelho" cada vez mais conturbado e na imposição ao País de dias de convivência com a incivilidade política, a rusticidade de conduta e a brutalidade de métodos.

Subdivisão

O grupo que comanda a oposição ao governo Lula dentro do PMDB se reúne hoje em Brasília sem unidade de posições.

Uma parte acredita que o correto é apoiar a candidatura avulsa de Virgílio Guimarães porque, assim, impõe mais dificuldades ao governo e dá um troco na insistência do Palácio do Planalto em ignorar a direção do partido e tratar a dissidência governista do PMDB como se fosse ela a representação partidária formal.

Outro grupo acha que não, que o melhor é apoiar o candidato oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh, por dois motivos: assegurar o cumprimento da regra geral da proporcionalidade partidária; e não deixar, pelo menos no Parlamento, que os aliados do Planalto ocupem todos os espaços políticos e de interlocução institucional.

O presidente do PMDB, Michel Temer, acha que a posição final não precisa ser definida hoje, pois há tempo para isso até a véspera do carnaval.

Mas quem está mais firmemente engajado na candidatura de Greenhalgh pensa diferente: pondera que a oposição pemedebista não apenas deve se definir hoje, como a partir daí, usar da experiência adquirida no governo Fernando Henrique Cardoso para ajuda-lo a ganhar a parada.

Troca

Começa a circular a seguinte versão entre os mais pessimistas quanto à chance de vitória do candidato oficial à presidência da Câmara: melhor o governo ganhar com Virgílio Guimarães que perder com Greenhalgh.