Título: Juízes vão a Porto Alegre pregar rebeldia contra STF
Autor: Elder Ogliari
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2005, Nacional, p. A6

O Fórum Social Mundial nem começou e já tem o seu primeiro alvo. O Fórum Mundial dos Juízes, que ocorre paralelamente ao evento oficial, em Porto Alegre, termina hoje com protestos contra a súmula vinculante, em vigor desde o início do ano. O instrumento jurídico, aprovado no ano passado para conter o excesso de recursos, obriga juízes de instâncias inferiores a seguirem decisões tomadas por pelo menos 8 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O manifesto, formulado pelo Núcleo de Estudos Críticos de Direito, propõe que os juízes não se curvem às vinculações que o Supremo estabeleça. "Consideramos a súmula inconstitucional", afirmou um dos coordenadores do evento, o juiz João Ricardo Costa dos Santos. "É uma medida provisória do STF, quando quem tem de legislar é o Congresso."

O texto que circula no fórum em busca de adesão diz que a súmula representa um controle sobre as instâncias inferiores e pretende ser uma tentativa de "universalização conceitual", que desconsidera a singularidade dos casos.

EQUADOR

Os juízes também protestam contra a substituição de toda a Suprema Corte de Justiça do Equador, no final do ano passado. "Mesmo que a plenária não aceite, são protestos que vão marcar esta edição do fórum", ressalta Santos.

A organização internacional Juízes para a Democracia quer obter do fórum uma declaração formal condenando a suposta "política de dominação do Judiciário" pelo presidente do Equador, Lucio Gutierrez. Em 8 de dezembro, toda a Corte Suprema foi substituída por decisão do Congresso, no qual Gutierrez tem a maioria.

A denúncia dos juízes indica que a nova composição tem indicações partidárias. "A Constituição só prevê substituições feitas pela própria Corte, por morte de um de seus membros ou por conduta inadequada", destaca o juiz penal Carlos equatoriano Poveda.

Como Gutierrez já promoveu trocas no Tribunal Constitucional e no Tribunal Eleitoral, Poveda considera que o seu país está vivendo "um estado de ditadura", em que, sob a aparência de uma democracia, as instituições são controladas pelo Executivo.

VIOLAÇÕES

O caso equatoriano se assemelha à tese que o sociólogo português Boaventura de Souza Santos vem sustentando como convidado de quase todos os eventos do fórum de Porto Alegre. "Apesar de continuarmos em estados democráticos, vivemos cada vez mais em estados de exceção", afirma.

Para Boaventura, sob a legítima necessidade de se prevenir contra atos terroristas, países da Europa e os Estados Unidos estão violando direitos humanos. Ele ressalta que antes disso, ao abrir espaço para o neoliberalismo, já haviam sido abolidas conquistas na área do trabalho, da saúde e da seguridade social, tanto em países desenvolvidos como nos pobres.

"Agora os direitos cívicos e políticos começam a entrar em causa", acredita. "Há militarização em muitas fronteiras e cresce em todo o mundo a segurança privada." O sociólogo adverte, ainda, que Judiciários independentes são vistos como perigosos. "Já ocorre na Itália, em Portugal e também no Brasil."