Título: Enchentes carregam doenças
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2005, Vida &, p. A16

Não bastasse a calamidade que representa para a estrutura da cidade, a enchente faz mal para a saúde de quem tem contato com ela, por causa de doenças que podem ser transmitidas tanto pela pele quanto pelo consumo de alimentos e líquidos contaminados por suas águas. "A transmissão pode ser feita até pela roupa molhada na enchente", alerta Rui de Andrade Dammenhain, diretor do Instituto Brasileiro de Auditoria em Vigilância Sanitária (Inbravisa). O foco do problema não é a água, mas o esgoto espalhado pela cheia. A mais grave das doenças é a leptospirose, causada por bactéria transmitida pela urina do rato. Essa bactéria tem como principal característica se espalhar e se fixar em vários órgãos do corpo (rins, coração e fígado, por exemplo) e provocar inflamação vascular. Em cerca de 10, 15 dias, ela pode até se transformar em septicemia (infecção generalizada no organismo).

A principal forma de entrada dessa bactéria no corpo humano é pela pele. "Depois de cerca de duas horas de contato direto com qualquer água, a pele perde sua resistência natural, o que facilita muito a entrada da bactéria", explica Dammenhain.

A bactéria pode entrar também pela mucosa da boca e dos olhos. O contágio é praticamente imediato se a pele tiver algum ferimento. A leptospirose assusta porque o índice de morte causada por ela é alto (cerca de 15%), mesmo com o combate dos antibióticos. "A bactéria age muito rapidamente", diz o infectologista Paulo Olzon Monteiro da Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Não bastasse a gravidade, a leptospirose tem ocorrência epidemiológica alta. De acordo com o Sistema de Agravos de Notificação (Sinan), órgão do Ministério da Saúde que reúne informações sobre as doenças de notificação compulsória, em 2004 foram registrados, em São Paulo, 243 casos dela.

HEPATITE

Em segundo lugar no ranking do Sinan de doenças relacionadas à enchente vem a hepatite A. O contágio é pela ingestão do alimento ou líquido contaminado pela água da enchente. "Dá para dizer que é o tipo mais brando de hepatite", afirma Monteiro da Silva, da Unifesp.

O vírus da hepatite A compromete o intestino, provocando diarréia de curto ou médio prazos. Em alguns casos, ele pode penetrar nas células do fígado, inflamando-as. A conseqüência disso é que o órgão deixa de executar algumas funções, como a eliminação da bile (líquido que tem participação na digestão).

Mas as diarréias que surgem depois do contato com a água da enchente são, na maioria das vezes, provocadas pela salmonela, bactéria que também entra no organismo humano pelo alimento ou água contaminados. Elas têm como principal característica penetrar na parede do intestino. Ali, liberam toxinas que, além da diarréia, causam desidratação e febre.

A doença mais grave que a salmonela pode provocar é a febre tifóide, cuja incidência foi de um caso em 2004. Além de liberar toxinas, ela invade as células do intestino. "Dentro das células, a bactéria fica ainda mais resistente ao antibiótico", diz Dammenhain. "Além disso, criam úlcera na parede do intestino com o passar do tempo."

DENGUE

A dengue também ocorre com mais freqüência no início do ano. O número de contaminações, no entanto, caiu drasticamente no último ano por conta de ações em conjunto dos governos municipais, estaduais e federal. Em 2003, a Vigilância Sanitária registrou 760 casos na cidade de São Paulo. Em 2004 foram 93, sendo 82 importados de outras cidades. Ou seja, apenas 11 pessoas foram picadas por seu mosquito transmissor em São Paulo.

A dengue é causada por um vírus transmitido pela fêmea do Aedes aegypti. A associação da doença com a enchente não é pelo esgoto, mas, sim, pelo aumento do número de poças quando o nível da água diminui. "Água represada e clima quente formam o hábitat perfeito para a proliferação do mosquito", diz Gilberto Turcato, infectologista do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo.

De acordo com Luiz Cláudio Ferreira Espíndola, médico do Centro de Controle de Doenças da Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal da Saúde, cerca de 60% dos casos de salmonela, dengue e hepatite A ocorrem de dezembro a março, o chamado período da chuva. A exceção fica por conta da leptospirose, cujo índice é de 80% no início do ano.

A desratização na cidade é de responsabilidade dos centros de zoonose das subprefeituras. "Os ratos que transmitem são os que convivem com o ser humano: ratazanas e camundongos, por exemplo", explica Elizabete da Silva, veterinária do Centro de Zoonose de São Paulo. "O trabalho é realizado só em áreas públicas e quando há solicitação."

O pedido de dedetização pode ser feito pelo 156, central de atendimento da Prefeitura. O último relatório registrou 1.471 pedidos em dezembro de 2004. Os lugares dedetizados são principalmente beiras de córregos e bueiros.

"Muitos não sabem, mas a roupa que teve contato com a água da enchente contaminada também pode transmitir doenças", conta Dammenhain. "A umidade permite que bactérias tenham sobrevida de até cinco dias." A dica é lavar a roupa separadamente e depois ainda dar banho de água fervente (veja o quadro).