Título: Migração e terceirização
Autor: José Pastore
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2005, Economia, p. B2

Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos passaram a restringir a imigração e intensificar as medidas para regularizar a vida dos 10 milhões de imigrantes ilegais que vivem no país. No seu discurso de posse no segundo mandato, o presidente George W. Bush repetiu sua disposição de defender no Congresso uma revisão das leis de imigração, com vista a criar incentivos para a legalização de imigrantes e também para atrair trabalhadores que, nos Estados Unidos, executam trabalhos que são rejeitados pelos americanos. Afinal, a economia do país depende da colaboração de grandes massas de trabalhadores que realizam atividades braçais ou atendem em bares, restaurantes, hotéis, lojas e em vários outros tipos de estabelecimentos, que não demandam alta qualificação.

Enquanto isso, o rigor para a entrada nos Estados Unidos continua intenso e generalizado, até mesmo para quem não vai para trabalhar. Nos últimos dois anos, diminuíram em 35% os vistos concedidos para estudantes. Em 2003, reduziu-se em 20% a entrada de estrangeiros em universidades americanas. Para 2004, repetiu-se o mesmo quadro.

As dificuldades não são apenas para estudantes. O número de profissionais especializados que entraram nos Estados Unidos em 2003 foi 65% menor que em 2002, totalizando menos de 15 mil pessoas - uma quantidade irrisória em vista das enormes necessidades daquele país (Keeping out the wrong people - Business Week, 4/10/2004).

O rigor não é apenas americano. Vivemos novos tempos. Restrições severas existem também na União Européia. Alemanha, Inglaterra e Holanda, que haviam criado incentivos para recrutar pessoal especializado antes de 2000, passaram a levantar sérias barreiras à entrada de estudantes, técnicos e cientistas depois da tragédia de Nova York (Andrés Solimano e Molly Pollack, International Mobility of Highly Skilled, 2004).

Enquanto alguns países barram imigrantes, outros os atraem, como estudantes temporários ou trabalhadores permanentes. O Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, por exemplo, vêm intensificando os estímulos para incorporar estrangeiros às suas universidades. A Índia, a China e Cingapura atraem profissionais especializados de várias partes do mundo, inclusive dos países desenvolvidos.

O rigor dos vistos não tem impedido a entrada de imigrantes ilegais nos Estados Unidos. Sob os protestos e irritação dos americanos, o governo do México acaba de lançar o Guia do Imigrante Ilegal, para explicar aos mexicanos as melhores formas de se defender quando são apanhados pela polícia em trânsito ilegal. Com isso o México pretende evitar o que aconteceu com os 8.600 brasileiros despreparados que, em 2004, invadiram as fronteiras dos Estados Unidos, foram presos e não souberam o que fazer por desconhecerem seus direitos.

O que os países desenvolvidos almejam, portanto, é endurecer e legalizar. Esse duplo movimento não é neutro. O endurecimento da imigração tem reflexos no mercado de trabalho. Ao dificultar a entrada de pessoas qualificadas, aqueles países estimulam a terceirização no exterior ("outsourcing"). É claro que isso não se deve só às restrições à imigração. A disponibilidade de pessoal qualificado no exterior que se dispõe a receber salários e benefícios bem mais modestos do que seus equivalentes nos países avançados conta muito. Com isso os empregos vão se deslocando para a Ásia, a Europa Oriental e outras regiões do mundo.

Apesar das promessas de conter a fuga de empregos apresentadas por John Kerry e George W. Bush na última campanha presidencial, os postos de trabalho continuam saindo dos Estados Unidos. O mesmo ocorre na União Européia, especialmente agora que nela entraram dez novos Estados membros de bom nível educacional. Segundo a previsão de estudiosos da Forrester Research Inc., até 2015 as empresas americanas terão exportado 3,3 milhões de empregos. Outra especialista acredita que a terceirização em grande escala no exterior será muito lucrativa para os países da União Européia em futuro próximo (Laura D'Andrea Tyson, Offshoring: the pros and cons for Europe - BusinessWeek, 2/12/2004).

Como se vê, os países avançados defrontam-se com várias contradições. Primeiro, querem disciplinar a migração com vista ao controle do terrorismo e dos problemas criados pelo imigrante ilegal. Segundo, desejam estimular a entrada de mão-de-obra nas duas pontas - de baixa e alta qualificação - para atender às necessidades da evolução da economia. Terceiro, buscam medidas protecionistas para evitar a saída dos empregos dos seus territórios. É um quebra-cabeças federal...