Título: Governo vai avaliar efeito China para o País
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2005, Economia, p. B6

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento, vai criar em fevereiro o Grupo China, uma equipe de especialistas em comércio exterior de todos os órgãos governamentais ligados ao tema. Também fará convênio de cooperação com o Development Research Center, seu similar na China, para pôr em prática políticas de integração comercial. No próximo mês, o presidente do Ipea, Glauco Arbix, vai a Pequim, junto com o coordenador do Grupo China, Mario Sergio Salerno, para firmar a parceria que incluirá troca de informações, intercâmbio de pesquisadores e realização de pesquisas conjuntas.

O grupo brasileiro vai analisar os impactos da concessão do status de economia de mercado ao gigante oriental com o objetivo, entre outros, de subsidiar o governo nas decisões de futuras parcerias e acordos comerciais. "Pretendemos estudar as vantagens, os obstáculos, o dinamismo da economia chinesa", exemplifica Arbix.

É a primeira vez que o Ipea monta estrutura específica para analisar um futuro parceiro - e grande competidor - do mercado brasileiro. Grupos semelhantes para avaliar a Índia e a África do Sul podem ser implantados futuramente. Vários organismos internacionais estão criando grupos para analisar o fenômeno China, como a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e London School of Economics.

Depois da euforia provocada com a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China e da visita ao Brasil do presidente chinês, Hu Jintao, no ano passado, começaram a aflorar preocupações sobre a ameaça chinesa, pois o País pode se tornar forte concorrente no mercado doméstico.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) criou um grupo recentemente, mas de defesa comercial. "Vamos monitorar as importações de produtos da China em todos os setores e entrar em contato com a Secretaria de Comércio Exterior se qualquer aumento rápido ocorrer", diz o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da entidade, que aprova a iniciativa do Ipea.

Fazem parte do Grupo China do Ipea representantes do Itamaraty, Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex), Câmara de Comércio Exterior (Camex), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Ministério do Desenvolvimento. O grupo já teve duas reuniões informais.

DUMPING

Outra preocupação é com o dumping, quando um produto é vendido ao país importador a preços inferiores aos do local de origem. Uma primeira análise do Grupo China, entretanto, concluiu que, se todas as medidas antidumping fossem revogadas, o impacto nas importações brasileiras daquele país não seria significativo. A estimativa é de que aumentariam em cerca de US$ 30 milhões.

Na visão de Salerno, diretor de estudos setoriais do Ipea, a relação bilateral entre Brasil e China pode criar muitas oportunidades, principalmente de investimentos chineses no País, mas também pode ser uma ameaça em alguns setores. "A produção da China é baseada em baixos custos de mão-de-obra, por exemplo, e não podemos concorrer com produtos que utilizem mão-de-obra excessiva."

Com 1,3 bilhão de habitantes e uma classe média estimada em 350 milhões de pessoas - consumidoras em potencial -, a China importou US$ 5,4 bilhões do Brasil em 2004, ou 20% a mais que no ano anterior. A vizinha Argentina, mercado muito inferior, comprou US$ 7,4 bilhões, um aumento de 61,7% comparado a 2003.

Salerno ressalta que a pauta de exportações para a China é concentrada em matérias básicas (soja e minérios de ferro), enquanto para a Argentina há maior penetração de manufaturados.

O economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) Fernando Ribeiro lembra que a China cresce há vários anos seguidos, movimento que deve continuar. Já a Argentina, que vem se recuperando de uma crise, tende a desacelerar esse processo.

Para o presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, Cláudio Frischtak , o significativo crescimento da China, que em sua opinião será a maior economia do mundo em alguns anos, vai beneficiar países que tenham produtos complementares aos daquele país.

O Brasil, importante fornecedor de commodities, é competitivo nessa área e mesmo em alguns segmentos industriais, como o de vestuário mais sofisticado. O País também pode se beneficiar em bens e serviços, por exemplo na área de turismo. Frischtak admite, porém, que qualquer acordo comercial tem vantagens e desvantagens. "É preciso um equilíbrio."

O analista acredita que a China pode fazer do Brasil uma plataforma de exportações de bens para a América do Sul. "O país tem reservas de US$ 600 milhões para investimentos e pode deslocar bases produtivas para cá."

Ribeiro também acha que o Brasil tem potencial para atrair investimentos, por isso precisa manter parcerias estratégicas. Ele considera "natural" o resultado da balança comercial do ano passado, que apresentou aumento de 73% das importações da China, um total de US$ 3,71 bilhões. Futuramente, aposta ele, as importações serão substituídas por investimentos diretos. "É difícil prever o que ocorrerá em cinco anos, mas tendo a achar que o Brasil continuará registrando superávit."