Título: FMI, hora de decisão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2005, Editorial, p. A3

Até o fim de março o governo deverá decidir se renovará o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou se enfrentará o mundo financeiro apenas com os próprios meios e com a credibilidade acumulada em dois anos. Segundo o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o País não precisa, agora, de financiamento do Fundo. Além disso, é provável que não venha a precisar neste ou nos próximos anos, se não houver grandes problemas no setor externo. A segunda opção é em princípio a mais atraente. Mas o apoio da instituição pode tornar mais confortável a travessia, durante algum tempo, admite o ministro.

Ele poderia acrescentar: se o Brasil vai manter uma política afinada com os princípios do FMI, por que não aproveitar a segurança especial proporcionada por um acordo? Ele insiste, no entanto, em que o mais adequado, se o País quiser de novo recorrer ao apoio do Fundo, será um acordo de tipo novo, sem as condições costumeiras e com menor burocracia. Esse tipo de acesso, segundo o ministro, seria reservado aos países com gestão fiscal e monetária de qualidade reconhecida.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é justo reconhecer, nunca apresentou a austeridade fiscal e monetária como exigência do FMI. Também sempre assumiu a responsabilidade total pela manutenção da pauta de reformas. Não se diferenciou, neste aspecto, do governo anterior. Mas teve maior empenho, sempre, em não se apresentar como subordinado à orientação de uma entidade abominada pela maior parte de seu eleitorado.

Dar uma satisfação a esse público poderia ser um argumento especial a favor do encerramento, no prazo previsto, do acordo com o FMI. Seria o fecho de uma fase tão infeliz quanto inevitável: a necessidade do acordo, em 2003 e 2004, seria recordada apenas como parte do legado maldito do governo anterior.

A tentação de seguir esse caminho pode ser muito forte, para alguns auxiliares do presidente Lula. Mas, se o governo estiver disposto a dar esse tipo de satisfação, poderá manter a pauta de reformas e a orientação fiscal e monetária essenciais à sua credibilidade financeira? O presidente afirmou, recentemente, a importância de fundamentos sólidos para o crescimento econômico.

Se essa for, de fato, a convicção do presidente, a política fiscal, nos próximos dois anos, não poderá ser mais frouxa do que foi até agora. Poderá haver mais dinheiro para investimentos públicos, mas de acordo com a experiência piloto em discussão com os técnicos e dirigentes do FMI. Esse debate não implica a renovação do acordo, mas a valorização de um severo padrão fiscal.

Nesse caso, o governo será forçado, haja ou não acordo com o FMI, a encarar com maior decisão uma reforma orçamentária, para recomposição dos gastos federais. Parte dessa reforma dependerá de mudança constitucional, necessária para desengessar as finanças públicas.

Além disso, a gestão orçamentária tem sido menos severa do que seria necessário. Os gastos de governo continuaram a crescer, em 2004, mais do que a economia brasileira. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) nominal aumentou 11,9%, as despesas não financeiras da União aumentaram 18,4%, segundo estimativa do especialista Raul Velloso.

A maior parte dessa expansão ocorreu nos gastos de custeio. O aumento desses gastos deve continuar neste ano, principalmente por causa do reajuste salarial do funcionalismo e da elevação do salário mínimo, que afetará as contas previdenciárias. Além disso, tem havido contratação de funcionários. No ano passado, foi possível sustentar a expansão das despesas não financeiras e elevar a meta de superávit primário porque a receita líquida aumentou 19,6% em valores correntes.

O governo só poderá aumentar investimentos e gastos sociais, sem criar um grande problema fiscal, se adotar políticas orçamentárias muito mais severas. Os analistas privados sabem disso. Sabem, portanto, que o País continua vulnerável a turbulências financeiras. O governo terá de levar em conta esse dado, ao decidir se convém ou não renovar o acordo com o FMI. A importância do apoio pode ser maior do que o ministro Palocci deu a entender em sua declaração recente sobre o assunto.