Título: Pistoleiro muda versão e PF conclui que fazendeiro encomendou crime
Autor: Leonel Rocha
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2005, Nacional, p. A4

Depois de dois depoimentos de mais de quatro horas cada - um para a Polícia Civil do Pará e outro para a Polícia Federal, em Altamira -, o agricultor Rayfran Sales, o Fogoió, preso na noite de domingo, confessou ter sido contratado por R$ 50 mil para matar a missionária Dorothy Stang, dia 12, em Anapu. Ele apontou como intermediário do crime o colono Aimar Feijoli da Cunha, o Tato, também preso em Altamira. E, de acordo com policiais, ficou claro no depoimento que o mandante foi o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, conhecido por Bida. Feijoli é capataz de Vitalmiro. Rayfran ainda executou um plano que, segundo disse à polícia, fora urdido em parceria com Uilquelano de Souza Pinto, o Eduardo: em caso de prisão, diriam que foram contratados por Francisco de Assis de Souza, o Chiquinho, diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu. Chiquinho é filiado ao PT, foi candidato a vice-prefeito no ano passado e era amigo da irmã Dorothy. A versão durou pouco. Os policiais concluíram que ele mentiu. "No depoimento para a Polícia Federal, ele resolveu dar a versão verdadeira", disse o delegado da PF Ualame Machado, que preside o inquérito. A polícia continua à caça de Vitalmiro, mas Uilquelano foi preso ontem à noite, em Belo Monte.

Também ontem o juiz estadual Lauro Alexandrino, de Pacajás, decretou, a pedido do promotor estadual Sávio Brabo de Araújo, que a investigação corresse sob segredo de Justiça. Para o promotor, tudo leva a crer que há uma rede de pessoas e interesses por trás da morte da freira. O segredo de Justiça evitaria que as informações dadas nos depoimentos dos presos chegassem aos mandantes do crime. "O objetivo é que possamos checar com tranqüilidade todos os detalhes que (Rayfran) nos deu a respeito da cadeia responsável pela mandância", explicou Brabo. À noite, caiu o segredo de Justiça. O próprio Alexandrino avaliou que não havia porque o Judiciário se manifestar nesta fase do inquérito e revogou sua decisão.

MOTIVO TORPE

Os depoimentos de Rayfran foram acompanhados por policiais, três promotores, um representante da Ordem dos Advogados do Brasil, um defensor público e um representante da Comissão Pastoral da Terra. Para os delegados, ao citar Francisco de Assis de Souza como envolvido, Rayfran tentou tumultuar as investigações. "É uma informação para tumultuar. Não tem lógica nem motivação dele para o crime."

Rayfran foi indiciado pela Polícia Civil por homicídio doloso qualificado, o que significa dizer que praticou o crime com requintes de violência e por motivo torpe. Ele foi preso em Pau Furado, zona rural de Anapu, e levado ontem de manhã em helicóptero do Exército para Altamira, onde deu depoimentos. À noite, foi transferido para o presídio na cidade.

Diante da repercussão do caso e por se tratar de crime pela posse da terra, os procuradores federais pretendem pedir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a transferência das investigações definitivamente para a PF, ou seja, a federalização do caso.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, garantiu que todos os suspeitos serão investigados. "Não se vai perseguir nem proteger ninguém", disse. "Seja quem for o culpado, iremos até o fim. Quem for culpado, dito pela Justiça, vai ser processado, condenado e vai para a cadeia. É um ponto de honra para o governo."