Título: Exército 'chegou tarde demais', critica ouvidor
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2005, Nacional, p. A5

O ouvidor agrário do Pará, desembargador Otávio Maciel, declarou ontem que a ação do governo "chegou tarde demais". Para ele, o envio de tropas federais, incluindo militares e policiais, às regiões onde predominam conflitos pela terra "é importante, mas não vai resolver, não vai adiantar". Maciel é coordenador da comissão de mediação de conflitos fundiários no Estado. "Para que reine a paz não basta prender os fulanos (os assassinos da irmã Dorothy Stang)", sustenta. "O Incra tem que ir lá para fazer o serviço, as vistorias para tirar os grileiros e os madeireiros que estão atuando na área. Não adianta só a força policial fazer a grande operação porque eles vão continuar pintando e bordando."

A grande operação, segundo o desembargador, "é boa porque fez com que alguns suspeitos ficassem com medo, mas a morte da irmã poderia ter sido evitada". De acordo com Maciel, cerca de 20 dias antes de ser executada, Dorothy Stang foi recebida pela vice-governadora do Pará, Valéria Pires Franco, e pelo secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, aos quais fez um relato sobre as ameaças que vinha recebendo.

"A irmã abriu mão de proteção, mas a polícia deveria ter aberto inquérito e intimado as pessoas que ela apontou", argumenta Otávio Maciel. "A morte dela poderia ter sido evitada. Ela veio, denunciou quem a estava ameaçando. Com um inquérito, a coisa mudava. As providências vieram tarde demais. As denúncias da irmã deveriam ter sido investigadas. A polícia deveria ter chamado esse pessoal à razão, isso não foi feito, então não adianta agora chorar o leite derramado."

REINTEGRAÇÃO

O ouvidor revelou que existem "centenas de mandados judiciais" de reintegração de posse que não foram cumpridos. "O grande problema é que o trabalhador sem-terra invade uma fazenda, o fazendeiro vai à Justiça e consegue liminar, que no entanto não é cumprida. Isso acontece porque há resistência na terra invadida. A polícia faz levantamento da área, isso demora um pouco e aí a invasão se consolida. São centenas de liminares não cumpridas."

Maciel destacou que, em agosto de 2004, se reuniu com autoridades policiais do Pará e alguns fazendeiros de Marabá que tiveram propriedades invadidas e obtiveram liminar judicial que lhes garantia a retomada da área. "Foram relacionados 46 mandados para serem executados e até hoje não foi cumprido nenhum", observa o ouvidor agrário paraense. "Havia uma proximidade das eleições municipais, desocupação gera conflito, conflito gera voto contrário a quem manda", anota Maciel.