Título: Petista ultralight dá o norte no Senado
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2005, Nacional, p. A6

Depois de apanhar dois anos consecutivos frente às câmeras e microfones da TV Senado, o governo começa a se organizar para tentar enfrentar em condições de razoável igualdade a oposição na batalha cotidiana da comunicação, tarefa essencial neste ano da graça anterior à eleição presidencial. "Eles vêm rachando", prevê o novo líder do PT no Senado, Delcídio Amaral (MS), nem um pouco iludido com a calmaria e a cordialidade do ambiente em que, ao contrário da Câmara dos Deputados, transcorreu a troca de comando no Senado.

Ali residem as maiores dificuldades políticas do governo; dali, os senadores do PSDB, do PFL e do PDT infernizaram de segunda a sexta-feira a vida do Palácio do Planalto não apenas em discursos, mas em atos que obrigaram a mudanças radicais em propostas como a das Parcerias Público-Privadas; será ali, em 2005, o palco parlamentar da oposição orgânica, não cooptável, dona de projeto de poder para 2006.

Ou seja, é no Senado que mora parte considerável do perigo. A derrota nas urnas municipais de outubro e o desastre de uma semana atrás na Câmara, Delcídio Amaral tem consciência, fortaleceram a tropa adversária. A ser enfrentada, na opinião dele, de uma única maneira: com profissionalismo.

Por "profissionalismo" o líder entende a defesa permanente e bem fundamentada do conteúdo das propostas do governo, o estreitamento das relações entre os parlamentares e a equipe do Executivo e uma relação de firmeza, mas de cordialidade, com os adversários. "Eu, por exemplo, não vou bater boca nem agredir ninguém, vou estabelecer o diálogo na base do argumento, duro se for preciso, mas visando sempre ao entendimento."

Desde sua eleição, segunda-feira passada, Delcídio trata de entender-se à perfeição com o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante. "Já estamos montando uma equipe de profissionais qualificados, fazendo modificações significativas na estrutura da liderança."

A idéia é não deixar crítica sem resposta fundamentada e montar um plantão constante e abrangente, com a participação de toda a bancada, de defensores das posições do PT. "As grandes surras que o governo levou foram inesperadas, às sextas-feiras."

Não obstante a preocupação com os oposicionistas, Delcídio Amaral acha que primeiro o PT precisa se organizar internamente, senão, não conseguirá vencer os obstáculos que criou para si. "Temos de passar a limpo todos os nossos equívocos, sem briga interna e com profundo realismo", dizia o senador dois dias depois do advento Severino Cavalcanti, ainda impactado com a gama de desacertos vigentes na seara governista.

Da duplicidade de comando na área política - José Dirceu de um lado, Aldo Rebelo de outro - à indiferença com os compromissos políticos, passando pela já notória arrogância, não raro agressividade, de procedimentos, o líder lista diversos assuntos a serem discutidos numa reunião de bancada convocada para esta semana.

Petista atípico, quase um cristão-novo no partido, oriundo da iniciativa privada, dono de um pensamento, digamos, "ultralight", que inclui opinião favorável aos transgênicos e a independência total das agências reguladoras, Delcídio Amaral enfrentou alguma resistência interna, mas não acha que isso o inviabilize como líder.

Ao contrário, acredita-se representante de um "novo" PT que, na visão dele, emergirá da inevitável autocrítica resultante da série de equívocos cuja culminância foi a eleição na Câmara. Mas, quem garante as mudanças, já que ele e muitos outros há tempos apontavam erros, defendiam correções e, no entanto, tiveram seus alertas ignorados?

"Desta vez o impacto foi muito grande e o PT que já vinha adernando para o centro, sem dúvida vai continuar na trilha da adoção de posições cada vez menos dogmáticas."

O senador reconhece que a agenda política de 2005 será pesada, permeada pela questão eleitoral. Mas lembra que há também uma pauta de conteúdo para a qual o PT precisa estar bem preparado: a complementação das reformas da Previdência e tributária, a votação da reforma política até outubro, a aprovação do projeto das agências reguladoras, as propostas de modificação para exame e votação do Orçamento e, como a premência principal da temporada, cita o debate sobre as restrições às medidas provisórias.

Neste último item a idéia é deixar de lado as queixas em relação aos exageros do Executivo e, mediante negociação intensa, estabelecer um cardápio de assuntos a respeito dos quais o presidente da República poderá ou não editar MPs.

Na opinião do líder, o PT terá sua chance de sucesso aumentada quanto mais voltado o partido estiver para o projeto coletivo e menos apegado às querelas das tendências e aos projetos individuais de poder.

Duas visões

Há uma posição convergente e duas opiniões divergentes entre governistas a respeito da parceria do PT com o PMDB. A unanimidade é em relação à necessidade de os pemedebistas marcharem unidos em apoio à reeleição de Lula.

A discordância está na forma de obter a unidade. Um grupo acha que se consegue isso dando mais ministérios ao PMDB e outro considera que a ala oposicionista se acalma se o PT parar de interferir na política interna do partido.