Título: Um ataque ao câmbio e ao juro alto
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2005, Economia, p. B6

Para o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o tombo do dólar no câmbio interno é problema. Mas problema maior são os juros, que estão entre os mais altos do mundo, que atraem capitais, derrubam as cotações no câmbio e tiram renda do agricultor. Rodrigues faz o que pode para não criar atritos dentro e fora do governo. Mas não pode ignorá-los, quando são inevitáveis. Mostrou que os conflitos do Brasil com a Argentina estão prejudicando as negociações comerciais com as potências agrícolas, especialmente com a União Européia e os Estados Unidos.

Veja, também, as divergências com a área da Fazenda (Medida Provisória 232) e o que ele pensa da destruição da floresta amazônica.

O sr. defendeu a candidatura do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh à presidência da Câmara dos Deputados, mas a bancada dos representantes da Agricultura acabou votando no deputado Severino Cavalcanti. O sr. trabalhou contra os interesses dos agricultores?

O deputado Greenhalgh tem uma história de apoio ao MST, movimento que não é simpático à bancada da Agricultura. Para garantir apoio, pedi a Greenhalgh que apoiasse cinco pontos: que apressasse a votação do projeto de lei de Biossegurança; que encaminhasse a votação do projeto de lei que define o que é trabalho escravo, para que não haja dupla interpretação na matéria; que apressasse tanto a votação de um projeto de lei do Código Florestal em bases modernas, como a tramitação do projeto de lei do Cooperativismo, que interessa diretamente ao presidente da República. Como quinto ponto, mostrei a ele a crise em que está o agronegócio e pedi que o discurso dele se afinasse com os interesses do setor. Fizemos um acordo, ele entendeu e conversou depois com os representantes da bancada da agricultura. Estava tudo certo, mas depois as coisas mudaram...

Com o novo presidente da Câmara, esses pontos estarão assegurados ou será preciso convencer primeiro o deputado Severino Cavalcanti?

Parte significativa dos representantes da bancada agrícola é do PP, mesmo partido do deputado Severino Cavalcanti. Foi-me dito que há boa chance de convencê-lo a defender esses pontos.

O sr. tem reclamado do mergulho da cotação do dólar no câmbio interno. O Banco Central está fazendo o suficiente para evitar perdas de renda do produtor agrícola?

As perdas estão aumentando. Se tudo continuar como está, vamos perder competitividade e o processo de avanço das exportações vai ter uma séria reversão. Só a Turquia tem juros mais altos do que o Brasil. Com juros tão altos, os capitais especulativos não vão parar de entrar. Isso significa que o dólar vai continuar caindo. Ocorre que o Banco Central está convencido de que a única maneira de derrubar a inflação é seguir aumentando os juros. Vamos ter um dólar barato sabe-se lá até quando...

O Banco Central e o Tesouro estão comprando US$ 3 bilhões por mês.. O que mais é preciso ser feito para reverter essa tendência?

Não tenho recomendação. Assumo que o Banco Central sabe o que faz. O problema é que essas compras são insuficientes e os dólares continuam chegando. Meu sentimento é o de que os juros altos demais estão atraindo capitais e o dólar não pára de cair.

O sr. tem informações de quanto capital de curto prazo está entrando?

Não tenho.

O Banco Central deveria comprar mais dólares?

A questão dos juros precede a questão cambial. É preciso derrubar os juros.

O que fazer para reduzir os juros? Será que o caminho não seria reduzir as despesas públicas, aumentar o superávit primário e, assim, os juros cairiam naturalmente?

O ministro Palocci tem razão. A única maneira de estabilizar mais rapidamente o País é garantir um forte superávit primário. Mas será que os juros precisam ser tão altos?

O sr está pondo em dúvida a eficiência do plano de metas de inflação e a política do Banco Central?

Estou apenas perguntando: será que esse é o melhor caminho? Como tenho dúvidas, pergunto. Este é o grande debate na economia.

O sr. tem-se pronunciado contra a Medida Provisória 232, que obriga o agricultor a antecipar o Imposto de Renda. Quem o sr. responsabiliza pelo abuso: o ministro da Fazenda ou o secretário da Receita Federal?

Não sei quem foi o responsável. O artigo 6 foi o único que apareceu sem justificativa. Este é um ano de crise na agricultura, vários setores vão ter prejuízo. Esse artigo manda antecipar um recolhimento sobre um resultado que não vai acontecer. Na hipótese de prevalecerem os termos do artigo 6, será preciso criar mecanismos claros da devolução do dinheiro em tempo hábil.

Boa parte dos líderes da agricultura faz duras críticas ao Itamaraty pela moleza com que vem conduzindo as negociações comerciais do Brasil com as outras potências agrícolas. Do que o sr. não está gostando e como a área externa deveria conduzir essas negociações?

Criei, na reforma do Ministério, a Secretaria de Relações Internacionais com três divisões. Uma delas cuidará das Negociações Internacionais. Ela vai trabalhar como uma espécie de assessoria técnica formal do Ministério de Relações Exteriores, a partir de propostas levantadas nas câmaras setoriais. Mas quem vai fazer as negociações é o Itamaraty.

A falta desta secretaria prejudicou as negociações nos dois últimos anos a ponto de vir a ser necessário criá-la?

Não sei se prejudicou. Mas, daqui para frente, vamos poder ajudar muito mais.

É verdade o que dizem os líderes do agronegócio, que o Itamaraty está conduzindo mal as negociações da Alca?

Este é um assunto polêmico. Talvez pudéssemos ter bombardeado mais eficientemente a posição dos Estados Unidos, que não quiseram discutir os subsídios agrícolas na Alca... A principal deficiência esteve lá com os americanos.

As negociações do Mercosul com a União Européia emperraram porque a Argentina vetou a cota de importação de 30 mil veículos europeus que nem seriam comprados por eles; seriam importados pelo Brasil. Isso prejudicou os interesses da agricultura brasileira. Por que o Itamaraty não enquadrou os argentinos?

A fase final das negociações com a União Européia coincidiu com a crise entre Argentina e Brasil sobre a questão das salvaguardas à entrada da linha branca (aparelhos domésticos). Aí os europeus perceberam certa fragilidade no Mercosul e recuaram nas ofertas nas áreas de açúcar e da carne, que já tinham adiantado informalmente. Pesou também o fato de que estavam para serem trocados os negociadores da União Européia. Na verdade, eles não fizeram nenhum esforço para que as negociações fluíssem.

Então, ficou claro que a Argentina está prejudicando os interesses da agricultura brasileira. E o que fazer para evitar esse estrago?

Estão abertas as negociações sobre as salvaguardas. Se a reivindicação argentina prevalecer, o Brasil estará em condições de impor salvaguardas também sobre produtos argentinos. Os argentinos estão entupindo o Brasil de trigo, arroz, vinho, alho e cebola, o que cria dificuldades para agricultores do Sul do País. Se as salvaguardas vingarem, aumentarão ainda mais as dificuldades nas negociações com a União Européia.

Os europeus têm argumentado que não podem admitir entrada de açúcar e álcool na Europa se o Brasil não consegue exportar nem para a Argentina...

Esse é um problema sério, não só no âmbito das negociações com a União Européia mas, também, nas da Alca. Os americanos dizem: "vocês não conseguem exportar açúcar nem para os argentinos e agora exigem que importemos de vocês?" Mas a União Européia está mudando a política do açúcar. A produção européia deve ser reduzida em 2 milhões de toneladas. Como os preços do petróleo não vão baixar significativamente de onde estão, os preços do álcool ficarão competitivos e isso vai ser bom para o Brasil e para os produtores.

Mas como quebrar essa resistência argentina ao açúcar e ao álcool do Brasil?

Já propus que os argentinos reconvertessem o açúcar deles em álcool. Compraríamos o álcool e eles, o nosso açúcar. A área privada deles é que não aceitou.

Basta fechar apenas uma porteira? Se o Brasil impuser salvaguardas para o arroz e o trigo da Argentina não terá, também, de estendê-las para o Uruguai e o Paraguai?

A gente está negociando com o Uruguai para aumentar a Tarifa Externa Comum sobre o arroz, para inibir a importação de outros países, especialmente dos Estados Unidos, onde há subsídio.

Até que ponto o Ministério do Meio Ambiente está atrapalhando o desenvolvimento da agropecuária brasileira?

A discussão com o Meio Ambiente envolve mais a infra-estrutura. As queixas envolvem portos e navegação fluvial. A outra discussão é sobre os transgênicos. Mas esse assunto está agora na Câmara dos Deputados. O projeto passou no Senado por 53 votos a 2.

O Ministério do Meio Ambiente não se queixa de que pecuaristas e fazendeiros estão destruindo a floresta?

Não é o fazendeiro que destrói a floresta. Quem destrói são as madeireiras. O pecuarista e o agricultor chegam depois que está tudo destruído. Não sou eu quem está dizendo isso. Esta é a conclusão de estudos feitos pelos economistas do Ipea.

Domingo, o caderno Aliás, do 'Estado', publicou entrevista do professor Carlos Eduardo Young, da UFRJ e doutor pela Universidade de Londres, que afirma o contrário. Defende o ponto de vista de que são todos parte da mesma engrenagem...

Ele deve discutir isso com os economistas do Ipea.

Os líderes da Agricultura se queixam de que o governo Lula está sendo frouxo demais com o MST. O sr. concorda com eles?

Há uma aliança histórica entre o governo Lula e os movimentos sociais dos quais o MST faz parte. O que não pode haver é baderna e desrespeito ao direito de propriedade, coisas que às vezes acontecem e trazem insegurança ao processo de produção. A repressão à baderna é de responsabilidade dos governos estaduais, que têm se comportado satisfatoriamente nessa matéria.

Qual é a reforma agrária que o sr. defende?

É aquela que garante renda ao produtor rural e não só terra. O governo federal deve desapropriar a área. Aí, o Sistema Cooperativista Brasileiro, em convênio com o Incra, examina a vocação agrícola da área e, em seguida, identifica a cooperativa que trabalha com aquela cultura. Essa cooperativa vai abrir na região uma extensão de base e vai selecionar os colonos que serão assentados. É a cooperativa que vai cuidar da assistência técnica, das vendas dos insumos e do produto, desonerando o governo de contratar agrônomos e construir armazéns.

O sr. está em harmonia com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, sobre a maneira como deve ser feita a reforma agrária no Brasil?

Do ponto de vista da formulação do programa de reforma agrária, sim.

Em que então o sr. está se atritando com ele?

Em nada. Estamos em harmonia.

O sr. está batalhando para ter um planejamento agrícola que vai olhar 30 anos para frente. Como garantir todo esse prazo num País em que tudo é feito de hoje pra amanhã?

Este é um plano agrícola e não um plano de governo. Vai contemplar o que vai ser consumido no mundo nos próximos 30 anos, como o Brasil vai ser chamado para atender essa demanda e que política será necessária para preparar o Brasil para isso. É um programa que não será limitado apenas à Agricultura. Vai ter a ver com Meio Ambiente, Turismo e tantas áreas mais. Se vai ser cumprido ou não, serão outros quinhentos.