Título: Prazo para troca da dívida está no fim, diz Kirchner
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2005, Economia, p. B8

Na delicada reta final da operação de reestruturação da dívida pública argentina com os credores privados, o presidente Néstor Kirchner não perdeu a chance de exercitar seu estilo sem papas na língua. Ontem, em discurso na Casa Rosada, ele ameaçou os credores que ainda não se decidiram a participar da troca da dívida: "Só faltam quatro dias. Se eles não se apresentarem, não terão nenhuma outra oferta nossa". Depois de uma breve pausa, acrescentou com ironia: "Estou dizendo isto com todo carinho...". O ministro da Economia, Roberto Lavagna, reforçou a posição do governo dizendo que, ao contrário do que alguns rumores indicavam, não usará a prerrogativa de prolongar o processo de troca de títulos até o dia 5 de março. Assim, a operação concluirá nesta sexta-feira.

Os credores que aceitarem a proposta do governo argentino terão que digerir a polêmica troca dos 152 títulos antigos por um grupo de 3 novos bônus. Os novos papéis terão redução de até 63% em relação ao valor original da dívida, e ainda serão pagos em até 42 anos. Se tudo funcionar como deseja o governo Kirchner, o país encerrará um default de mais de mil dias de duração, envolvendo a reestruturação de US$ 81,8 bilhões em títulos, valor que garante o lugar da Argentina no livro Guinness dos recordes, no quesito "caloteiro".

Apesar da indigesta proposta, os credores estão aderindo à troca de títulos. Segundo o presidente da Caixa de Valores, Luis Corsiglia, a adesão dos credores argentinos teria sido de 90%. A elevada participação dos credores locais era esperada desde o início da operação, no dia 14 de janeiro.

Ainda falta uma substancial adesão por parte dos credores estrangeiros. Mas os analistas afirmam que o governo Kirchner pode ficar tranqüilo, pois a participação em todo o mundo à troca da dívida ultrapassaria os 75% dos credores. Segundo relatório do Deutsche Bank, entidade de forte influência no âmbito financeiro europeu, a troca pode alcançar 85% do total. A proporção de credores exigida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) é de 80%.

O ex-presidente do Banco Central Mario Blejer, atual diretor do Banco da Inglaterra, acredita que apenas 20% dos credores ficarão de fora da reestruturação: "Ali estarão os credores grandes, que vão preferir recorrer aos tribunais internacionais, além dos credores pequenos, que não receberam suficiente informação." Na city financeira portenha, calcula-se que nos dias que restam pode ser registrado o "efeito manada" - uma corrida na última hora para a aquisição dos novos bônus.

Um dos principais líderes dos credores italianos, o advogado Mauro Sandri, admitiu a contragosto que a troca da dívida feita pelo governo Kirchner está tendo "sucesso". Nas últimas semanas, uma significativa proporção de credores alemães e italianos decidiu aceitar a troca de títulos. Os analistas consideram que a reação se explica pelo velho ditado: mais vale um pássaro na mão do que dois voando.

Mas especialistas em mercados, como o analista Néstor Scibona, consideram que a troca da dívida será definida nos últimos minutos. "Qualquer passo em falso ou qualquer imprevisto, como um parecer em tribunais estrangeiros, pode complicar o resultado final.". Por este motivo, os integrantes do governo argentino ainda não colocaram as garrafas de champanhe na geladeira. O clima nos corredores da Casa Rosada e do Ministério da Economia é de cauteloso otimismo. Ontem, Lavagna preferiu não profetizar sobre o grau de adesão global para a troca da dívida.