Título: O lucro dos bancos
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2005, Editorial, p. A3

Mesmo tendo registrado, em média, uma rentabilidade menor do que a do setor industrial, os bancos que operam no País alcançaram, no ano passado, como nos anteriores, um resultado espetaculoso. Das quatro maiores instituições, três já divulgaram os balanços, todas registrando lucro líquido superior a R$ 3 bilhões. Algumas poderiam ter apresentado lucro ainda maior se não tivessem sido tão conservadoras no lançamento de certas operações. O lucro do Itaú, por exemplo, de R$ 3,8 bilhões (o maior de todos), poderia superar R$ 4 bilhões se o banco não tivesse amortizado integralmente o ágio de operações de compra que fez no ano passado.

Os resultados das instituições de menor porte também são impressionantes e, junto com os dos grandes bancos, mostram que o sistema financeiro brasileiro, vigoroso e saudável, é gerido com competência, emprega tecnologia avançada e sabe explorar com eficiência as oportunidades de negócios e de ganhos. Mas mostram, também, um sistema que, embora venha avançando depressa nesse rumo, ainda é pouco eficaz no desempenho de seu papel de financiador e de co-participante do crescimento. Nos últimos anos, cresceu praticamente sozinho.

Com um desempenho excepcional no ano passado, as empresas do setor industrial alcançaram uma rentabilidade média equivalente a mais de 20% do patrimônio, de acordo com levantamento realizado pela empresa de consultoria Economática. Desse modo, pela primeira vez em dez anos, superou a rentabilidade média dos bancos, de pouco mais de 18%. Mas os resultados brilhantes da indústria em 2004 não são a marca de seu desempenho nos últimos dez anos. Em 1994, por exemplo, sua rentabilidade era de cerca de 5% do patrimônio.

Os lucros dos bancos, ao contrário, vêm, desde o início do Plano Real, apresentando uma regularidade impressionante. Mantêm-se, na média das principais instituições, em torno de 17% ou 18% do patrimônio, quaisquer que sejam as condições da economia brasileira. É notável a capacidade dos bancos de adaptar-se aos diferentes cenários, o que mostra a competência de seus gestores.

Com a estabilidade econômica, por exemplo, os bancos perderam o que, no período da inflação descontrolada, era sua maior fonte de ganhos, o chamado floating. Mas, comprimindo fortemente os custos operacionais, especialmente com a redução de seu quadro de pessoal, e buscando fontes novas de receita, entre elas a cobrança de tarifas cada vez mais elevadas pelos serviços prestados aos clientes, mais do que compensaram a renda que desapareceu junto com a inflação galopante. Em 1994, ano do lançamento do Plano Real, a cobrança pelos serviços prestados representava apenas 3,5% da receita dos bancos; no ano passado, para um grupo de 24 bancos analisados pela consultoria Austin Ratings, a fatia tinha crescido para 19,3%.

Praticamente não mudou, nos últimos anos, o peso que as aplicações em títulos públicos têm no resultado dos bancos. De 28,2% em 1994, passou para 27,8% no ano passado, de acordo com o estudo da mesma empresa de consultoria. Isso significa que o governo continua a depender fortemente do sistema bancário para financiar seu déficit, que continua elevado; e que os bancos continuam a emprestar para o governo, porque a remuneração oferecida é atraente e porque a aplicação em títulos públicos lhes dá segurança.

Na disputa pelos recursos dos bancos, o governo continua sendo o grande concorrente dos consumidores e das empresas. Mesmo assim, os bancos estão emprestando mais dinheiro. A carteira de crédito das 24 instituições que já publicaram balanço mostra uma evolução de 15,8% em 2004 (menor, registre-se, que o aumento do lucro líquido, de 22,4%). Analistas vêem com otimismo esse avanço. Acreditam mesmo que, se a economia continuar a crescer e o governo persistir na busca de superávits primários elevados, haverá mais crédito para a produção e o consumo, e a um custo menor.

Por enquanto, porém, é preciso destacar que, a despeito de ganharem muito, e de maneira persistente há anos, os bancos ainda emprestam pouco. De acordo com recente estudo divulgado pelo FMI, em outros países em diferentes estágios de desenvolvimento, os empréstimos correspondem a dois terços dos ativos bancários. Aqui, mal chegam a um terço.