Título: O mais duro teste da política de conciliação: Putin
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2005, Internacional, p. A17

A nova política de conciliação de George W. Bush enfrentará seu maior teste hoje, quando o líder americano se reunir com o inseguro e recalcitrante presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Bratislava. Apesar da boa relação pessoal de Putin com Bush, as políticas domésticas autoritárias e a posição internacional freqüentemente opositora do líder russo têm causado alarme crescente em Washington. Sua defesa do programa nuclear do Irã, no fim de semana, ilustrou o problema. A atitude pareceu uma provocação deliberada às vésperas do encontro e lembrou as profundas divergências sobre o Iraque. Funcionários admitem que o governo Bush, preocupado com o 11 de Setembro e o Oriente Médio, deixou de dar atenção à Rússia durante o primeiro mandato.

O apoio de Putin à "guerra ao terror" dos EUA, conveniente para seus objetivos na Chechênia, e aos esforços contra a proliferação, como na Coréia do Norte, permitiu que a maioria de suas ações mais questionáveis escapasse do exame crítico americano.

Mas a expansão inexorável da União Européia e da Otan rumo ao leste, somada a levantes democráticos com apoio ocidental na Ucrânia e na Geórgia, causou medo e ressentimento no Kremlin, ressuscitando temores históricos de um cerco em torno da Rússia.

"Pode-se afirmar facilmente que a Rússia não obteve benefícios específicos e duradouros com as políticas e concessões pró-americanas proclamadas por Putin nos dois anos após o 11 de Setembro", escreveu Robert Cottrell no New York Review of Books.

Segundo um conselheiro do Kremlin, Gleb Pavlovski, futuros desafios ao redor das fronteiras russas poderiam ser enfrentados com "contra-revolução preventiva" - uma resposta potencialmente desestabilizadora à doutrina de Bush de guerra preventiva.

Assim, Bush tem escolhas a fazer. Ele precisa encontrar maneiras efetivas de atrair Putin para a comunidade euro-atlântica; ou correrá o risco de "perder a Rússia", com todas as conseqüências estratégicas nocivas que poderiam se seguir. E, enquanto busca seu objetivo missionário de apoiar os direitos humanos e a liberdade em todos os países, Bush tem de evitar entrincheirar Putin na defensiva, ao estilo da guerra fria.

O senador republicano John McCain, um velho rival de Bush, tem liderado uma crescente onda de críticas bipartidárias nos EUA. Um golpe que começou tímido contra a democracia russa está se transformando num galope, advertiu ele recentemente. "Quando vamos endurecer com a Rússia?", perguntou o senador democrata Joe Biden.

Não faltaram conselhos pré-reunião para Bush. Grupos de defesa das liberdades civis conclamaram-no a questionar publicamente o rumo autoritário do presidente Putin. Ele foi pressionado em relação ao caso Yukos. E uma organização internacional de jornalistas expressou nesta semana uma "preocupação extrema com o declínio dramático da liberdade de imprensa" na Rússia, citando a perseguição na Chechênia e a proposta de censura na internet. No entanto, Bush parece dividido. Uma revisão interna de política supostamente concluiu que não há alternativa viável ao envolvimento construtivo e à bajulação discreta.

As prioridades dos EUA continuam sendo o terrorismo e as medidas contra a proliferação nuclear, especialmente em relação ao vulnerável estoque de armas pós-soviético da Rússia. O papel da Rússia como grande exportador de energia e seus laços cada vez mais íntimos com a Índia e a China também influenciam o pensamento americano. Politicamente, no entanto, Bush não pode ignorar as preocupações urgentes com os direitos humanos que surgem na Rússia e em "Estados transitórios" como Moldávia, Geórgia e Azerbaijão. Se não fizer nada, Bush correrá o risco de ficar preso na própria retórica do discurso de posse. Ele prometeu então "deixar clara, diante de todos os governantes e todas as nações, a escolha moral entre a opressão ... e a liberdade".

O primeiro sinal de uma mudança de direção surgiu segunda-feira em Bruxelas, quando Bush disse que a Rússia precisa renovar seu compromisso com a democracia.

Ele indicou que o futuro ingresso da Rússia na OMC e sua afiliação ao G8 podem estar em perigo. Seu encontro com o novo líder pró-ocidental da Ucrânia, Viktor Yushchenko, também enviou uma mensagem a Moscou.

Em entrevistas recentes, Bush relutou em ser duro com Putin, a quem se referiu como seu amigo Vladimir. "Ele fez algumas coisas que preocuparam as pessoas", disse Bush a um jornalista eslovaco. Disse que tentaria sugerir um caminho melhor. Mas no passado Putin não recebeu bem essas sugestões. Bush precisará mostrar um pouco de dureza se quiser progredir.