Título: Negociação da Alca sem muito ânimo
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2005, Economia, p. B7

As declarações esperançosas que o chanceler Celso Amorim e o então representante de Comércio (USTR) da Casa Branca, Robert Zoellick, fizeram no mês passado sobre a ressurreição da Área de Livre Econômica das Américas (Alca) não alteraram a baixa expectativa que prevalece sobre os resultados da reunião que os dois países iniciaram terça-feira, em Washington, em busca de um entendimento que permita superar o impasse nas negociações, que já dura mais de um ano. Embora isso crie um ambiente favorável a transformar qualquer pequeno avanço numa notícia positiva, o fato é que mesmo um entendimento entre os dois países que lideram a Alca não garante a retomada efetiva das negociações, pois ele ainda terá de ser traduzido em instruções concretas dos governos dos 34 países envolvidos aos grupos de trabalho encarregados de negociar os detalhes do acordo.

Os preparativos do encontro entre os co-presidentes da Alca, o brasileiro Adhemar Bahadian e o americano Peter Allgeier, que também ocupa interinamente o cargo de representante do USTR, foram marcados por mais uma desavença sobre o formato ideal do acordo. Nas últimas semanas, o Brasil voltou a enfatizar a idéia de um acordo entre o Mercosul e os EUA, centrado em acesso a mercados, como passo intermediário da liberalização do comércio. Os negociadores argumentaram que isso seria uma extensão natural do formato que Washington usou em negociações com os países centro-americanos, no Cafta, e está negociando com andinos.

Allgeier, o embaixador americano em Brasília, John Danilovich, e outros funcionários americanos rechaçaram publicamente a idéia. Eles afirmaram que o Brasil terá de escolher entre um de dois formatos: o que foi combinado na reunião ministerial da Alca em Miami, em novembro de 2003, mas até agora não saiu do papel, ou um acordo bilateral ambicioso, nos moldes do que os EUA têm desde 2004 com o Chile.

A reunião de Miami mudou drasticamente o acordo na forma como ele foi inicialmente concebido. Criou uma Alca à la carte e reduziu a ambição do projeto. Mesmo assim, condicionou os benefícios de acesso a mercado de bens (redução e eliminação de tarifas) que os países obterão às concessões que estiverem dispostos a fazer em serviços e às obrigações que estiverem dispostos a assumir sobre regras de política comercial (propriedade intelectual, por exemplo).

Em fevereiro de 2004, os 34 países da Alca reuniram-se no México para tentar traduzir o mandato de Miami em instruções concretas aos grupos de trabalho encarregados de preparar a minuta. Por quatro dias, os negociadores tentaram definir o que seria "um conjunto de regras e obrigações comuns aplicáveis a todos". O Brasil assumiu um tom pessimista. Bahadian deixou claro o desprazer do governo com o rumo das negociações ao comparar a Alca a "uma odalisca de cabaré barato". As conversas foram suspensas.

Desde então, os EUA pioraram a oferta de acesso a mercado. Apesar das declarações do presidente George W. Bush de compromisso com o livre comércio, o ambiente político em Washington não ajuda.

Clayton Yuetter e outros ex-ministros do Comércio Exterior dos EUA disseram que não vêem espaço para a conclusão da Alca antes do fechamento da Rodada Doha na Organização Mundial de Comércio, que deve ganhar impulso no ano que vem e fechar no primeiro semestre de 2007. Estudiosos acreditam que as consultas desta semana podem levar a uma sincronização do cronograma das negociações da Alca com o da OMC.