Título: Problemas da Paulista: falsos e verdadeiros
Autor: Nelson Baeta Neves
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2005, Espaço Aberto, p. A2

Numa demonstração inconteste de apreço pela "mais paulista das avenidas", registram-se várias polêmicas sobre o "Domingo na Paulista", assim como sobre outros eventos que ali foram realizados ou que venham a ser. Não se consegue imaginar essa avenida sem levar em conta o fascínio que ela exerce sobre grande parcela da população de São Paulo, que associa a Paulista às suas manifestações de alegria. Tradição e carisma não lhe faltam. Sua concepção como primeira avenida planejada de São Paulo, com um traçado generoso e com o conforto da primeira via asfaltada, a transformou, desde cedo, no palco de importantes eventos. Se para Castro Alves a praça é do povo, a Avenida Paulista é a grande praça de São Paulo, por eleição de seu povo.

Nos últimos 20 anos, diversas pesquisas de opinião pública confirmam, com índices sempre superiores a 80%, a Avenida Paulista como o principal símbolo da cidade. Palco das comemorações das últimas cinco Copas do Mundo, é o ponto de concentração espontânea de todas as grandes torcidas de São Paulo. É natural, portanto, que surjam problemas, como esporádicos transtornos no trânsito e eventuais desconfortos acústicos para os moradores da região. Nada que um planejamento mais cuidadoso não consiga amenizar. Há que ter muito cuidado na administração desse fenômeno popular, para não suscitar interpretações equivocadas de discriminação ou elitismo. Deve ser levado em conta, ainda, que os moradores locais não chegam a 5% dos seus usuários, bem como o entendimento majoritário dos formadores de opinião.

A Associação Paulista Viva vem trabalhando intensamente para resolver os verdadeiros problemas vivenciados na região durante a semana toda. As calçadas deterioradas, que tantos acidentes têm causado, a despeito da Lei da Acessibilidade, constituem importante desafio. Buscam-se soluções, também, para os estrangulamentos do passeio causados pelas jardineiras, pela implantação abusiva de bancas de jornal, pela instalação em diagonal dos abrigos para passageiros de ônibus e pelo estacionamento de motos sobre a calçada. Transtornos a que ficam expostos, diariamente, mais de 1,5 milhão de pedestres, incluindo deficientes ou pessoas com mobilidade reduzida.

O comércio ambulante na avenida-símbolo de São Paulo, além de prejudicar a circulação já precária dos pedestres, traz toda sorte de inconvenientes, dentre os quais a oferta de alimentos preparados sem nenhuma higiene. Somem-se a esse grave problema de saúde pública a coleta indisciplinada do lixo, colocado nas calçadas a partir das 16 horas, e tantas outras mazelas, e teremos um quadro de desordem e sujeira, dificultando sua correta varrição, já comprometida pelos inúmeros buracos ao longo do piso de mosaico português, com um sem-número de pedras debulhadas.

Deve ser considerado, ainda, o trânsito congestionado por cerca de 100 mil veículos/dia, com centenas de ônibus circulando praticamente vazios sobre uma linha do metrô que trafega com número relativamente baixo de usuários. O trecho propicia uma excelente oportunidade aos poderes públicos para a implantação de projeto piloto do bilhete único metrô-ônibus, o que eliminaria a maior parte do dispensável trânsito coletivo de superfície.

A partir da conscientização da comunidade de que a Avenida Paulista não deveria continuar sendo vilipendiada e degradada, ela vem se revitalizando, a despeito de seus persistentes problemas, com resultados positivos na qualidade de vida dos seus milhões de freqüentadores e na imagem da cidade. Vale citar as ações da Associação Paulista Viva na redução de cerca de 70% no índice de criminalidade, na valorização imobiliária, na decoração floral do canteiro central e na retirada de menores das ruas, qualificando-os para o mercado de trabalho. Este e outros trabalhos não são restritos à região. Mas tais ações, embora de aplauso geral, não estão sensibilizando algumas corporações e usuários da região que, mesmo usufruindo os benefícios alcançados pela associação, nada contribuem ou modestamente colaboraram de forma não condizente com sua representatividade, o que dificulta o desenvolvimento de novos projetos, inclusive no amparo à comunidade carente. Por outro lado, contribuem associados distantes da Paulista ou até de outros municípios, como forma de homenagear a cidade por meio de seu principal símbolo ou reconhecendo as ações que beneficiam turistas e habitantes da Grande São Paulo.

Em breve, além da segurança e do combate à violência, várias outras situações serão monitoradas ao longo da avenida por abrangente vigilância eletrônica, tais como procedimentos de limpeza, condições do trânsito, instalação de comércio ambulante, identificação de vândalos e utilização do Parque Trianon, já que este poderá ser melhorado com investimentos da comunidade. Esforços, ainda, estão sendo direcionados para a preservação da mais antiga e centenária mansão que ainda resta na avenida, no n.º 1.919, tendo ao lado área com reserva de mata atlântica, o que enseja a criação de novo parque no local onde o paisagista Burle Marx nasceu e passou sua primeira infância.

Portanto, diante do que acontece no dia-a-dia da Avenida Paulista e considerando a pauta das importantes reivindicações da população, os questionamentos sobre as manifestações, inclusive sobre o "Domingo na Paulista", levantam falsos problemas quando comparados aos verdadeiros problemas que fustigam todos os que circulam pelo mais importante "cartão-postal de São Paulo".