Título: Uma visita ao Brasil, de olho nos projetos bem-sucedidos
Autor: Paul Wolfowitz
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2005, Economia & Negócios, p. B8

O presidente do Banco Mundial (Bird), Paul Wolfowitz, inicia hoje em São Paulo a mais longa visita que um dirigente da instituição já fez ao Brasil e a primeira dele como presidente da instituição. Nos próximos seis dias, Wolfowitz, de 61 anos, visitará projetos apoiados pelo banco na Amazônia, no Nordeste e no Sul; conhecerá iniciativas brasileiras que considera potencialmente úteis para outros países em desenvolvimento e as estratégias para problemas globais como mudança climática, encomendado pelo G-8 ao Bird este ano. A viagem será realizada num momento de mudança na relação entre o país e o banco. "Quero sublinhar o compromisso do Banco Mundial com o Brasil e todos os países de renda méida da América Latina, porque um grande número de pobres vive lá", afirmou. Cerca de 10% dos latino-americanos têm renda diária de menos de US$ 1 por dia. Cerca de um quarto sobrevive com menos de US$ 2.

"Viajar por este gigante econômico, que se tornou um ator regional e global, me ajudará a compreender a riqueza e a diversidade da América", disse o presidente do Bird.

"É importante ser pragmático e ver o que funciona e o que não funciona. O consenso de Washington não deve ser elevado a princípio ideológico e não creio que ideologias dão respostas. Como disse Deng Xiao-ping, não importa se o gato é preto ou branco, contanto que ele pegue ratos."

A seguir, os principais trechos da entrevista:

A importância relativa dos créditos do Banco Mundial para o Brasil está caindo. Os créditos do Bird já não são tão atraentes em termos financeiros e o País poderia, em tese, viver sem eles. Diante disso, qual é o interesse do banco em manter seu programa no Brasil?

É verdade que a importância da nossa participação financeira está caindo e continuará a cair, mesmo mantendo o nível de empréstimos. Nosso programa no Brasil hoje é de US$ 2 bilhões por ano, o que costumava ser uma quantia bastante grande. Mas outras fontes de recursos ao País aumentam, a economia do Brasil cresce e nossa contribuição representa uma parcela menor em comparação aos recursos disponíveis ao País. Nossos acionistas querem que permaneçamos engajados em países como o Brasil, por um período de tempo significativo. Uma razão é que, à medida que países de renda média como o Brasil e a China avançam no caminho de se tornarem desenvolvidos, questões como melhor manejar recursos globais em energia, por exemplo, que afetam mudanças climáticas, tornam-se parte importante do trabalho do banco que chamamos de administração dos bens públicos globais.

O que isso significa, no caso do Brasil?

Em termos de mudança climática, por exemplo, o Brasil é importante em pelo menos três aspectos. O primeiro tem a ver com o desenvolvimento mais eficiente de recursos energéticos. Como o Brasil será um grande consumidor de energia, faz diferença o que faz e o que fará nessa área. O segundo é o manejo da imensa floresta foresta tropical úmida, que tem enormes impactos ambientais, inclusive na fixação de carbono. A Amazônia, que está em sua maior parte no Brasil, é um tesouro do País mas também um ativo global que interessa ao mundo ajudar o Brasil a manejar de forma que dê o máximo de contribuições para o desenvolvimento e para o meio ambiente. O terceiro elemento é o fato de o Brasil ser um País pioneiro na área de recursos energéticos renováveis. Eu quero aprender mais sobre isso e por isso visitarei uma usina de produção de etanol.

O senhor está disposto a comprar uma briga com os produtores de etanol nos EUA, que precisam de subsídio federal para produzir etanol a partir de milho, o que é altamente ineficiente em termos energéticos?

Primeiro quero aprender, conhecer os fatos. Depois verei se quero arrumar problemas com as pessoas aqui. Mas, se fizer sentido, eu falarei a respeito. Acho, por exemplo, que os subsídios americanos ao algodão não fazem sentido e tenho falado sobre isso.

O fato de o Brasil ser um país altamente produtivo e competitivo em setores como o da agricultura não lhe cria dificuldade com os países ricos, que são os principais acionistas do Bird, para justificar o envolvimento com o País de um banco dedicado aos pobres?

A prioridade número um do banco é a África. Mas muitos dos pobres do mundo vivem em países relativamente bem sucedidos de renda média, como o Brasil, a China e a Índia. Ao mesmo tempo, há muito que podemos aprender nesses países. Um exemplo é o programa de transferência condicionada de renda como Bolsa Família. O México e o Brasil foram os pioneiros nesses programas e hoje eles existem na Indonésia, por exemplo. Não sei até que pontos os indonésios olharam o programa brasileiro, mas nós, como instituição, estamos em posição de ajudar os países a aprender com a experiência brasileira.

E o que o Brasil tem a ganhar mantendo na relação com o Bird?

Nós, no banco, temos de trabalhar mais para sermos competitivos com os credores comerciais. Oferecemos talvez uma certa vantagem em termos do custo dos empréstimos, mas ela é realmente pequena. Sabemos também que é mais trabalhoso e complicado fazer negócio com o Banco Mundial e que isso tem que ter um valor positivo para os países. Por exemplo, nossos empréstimos têm salvaguardas ambientais. Os créditos de um banco comercial de Hong Kong ou Xangai provavelmente não têm. Precisamos, assim, ser capazes de convencer nossos parceiros que essas salvaguardas os beneficiam e que eles obterão um melhor resultado com um projeto que é bem desenhado, inclui o manejo ambiental e embute o conhecimento de especialistas com experiência em como construir grandes projetos de infra-estrutura de maneiras que protegem o meio-ambiente. Esse é o benefício que aportamos.

O que o senhor diria àqueles que, tanto na esquerda como na direita brasileira, vêem no interesse do Bird no País um plano para orientar o desenvolvimento do País, o uso de seus recursos naturais, de uma forma que atenderia os interesses nas nações ricas mas não necessariamente aos nossos?

Eu diria a eles para olharem para a China. Os chineses fizeram muito bom uso do Banco Mundial, tiraram proveito do valor que podemos aportar em assistência técnica e conhecimento. Eu nunca encontrei um chinês que pensasse que o Banco Mundial poderia, ainda que remotamente, controlar a China. Talvez seja conveniente para algumas pessoas alimentar o mito de que o Banco Mundial é uma imensa e poderosa instituição capaz de controlar as coisas. O banco é uma organização grande, comparada com outras, mas é muito pequena comparada com os recursos de um país como o Brasil. O nosso desafio no Brasil é permanecermos relevantes para o País e encontrar maneiras com as quais podemos contribuir para o crescimento. Não quero convencer ninguém, mas direi, com enorme convicção, que as pessoas aqui no banco passam o dia estudando, pesquisando e trabalhando para encontrar maneiras de tirar mais gente da pobreza em todo o mundo e dar uma oportunidade às crianças e às mulheres. Culturalmente e institucionalmente, nós, funcionários do Banco, incluindo os funcionários americanos, nos sentimos ofendidos com essa noção de que agimos em nome dos países mais ricos.