Título: UE culpa o Brasil por impasse nas negociações
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2005, Economia & Negócios, p. B10

Impasse na agricultura e nas demais frentes. Esse era o balanço da Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) na quarta-feira à noite. Os principais negociadores passaram o dia trocando acusações em público e procurando, em reuniões fechadas, desencalhar as conversações.

O Brasil foi o alvo principal dos ataques do comissário de Comércio da União Européia (UE) Peter Mandelson, e da ministra do Comércio da França, Christine Lagarde. "Já estamos de calcinha e sutiã e vocês querem que continuemos a tirar a roupa", disse ela. "A resposta é não". A França bloqueou a tentativa da UE de acenar com a data de 2010 para o fim dos subsídios à exportação.

"De novo, lamentamos que os grandes exportadores agrícolas fiquem no caminho do acordo", disse Mandelson, de manhã, depois de um discurso no plenário. Nesse discurso, ele voltou a afirmar que uma rodada com um tema único - agricultura - não pode dar certo e reclamou maior atenção para o comércio de produtos industriais e de serviços. Ele já havia sustentado, no dia anterior, que a agricultura não deveria ser o centro das negociações.

Os grandes exportadores de produtos agrícolas, disse o comissário, ainda não apresentaram ofertas de abertura para bens industriais e só querem saber de agricultura.

Quem tivesse alguma dúvida sobre quais seriam esses países poderia obter facilmente uma resposta parcial. Num documento de duas páginas sobre o que os europeus pedem aos países em desenvolvimento, o nome do Brasil é citado quatro vezes. Sua economia não é igual à do Benin - essa é a mensagem principal. Se é maior, deve assumir responsabilidades maiores nas negociações comerciais.

Mandelson voltou a artilharia também para os Estados Unidos. Os americanos, como os brasileiros, defendem a fixação de um prazo para a extinção dos subsídios à exportação agrícola. O limite proposto é 2010. O comissário europeu, condicionado por Paris, retruca: prazo para o fim dos subsídios diretos, só se os americanos eliminarem o crédito subvencionado para a exportação e aceitarem regras para a ajuda alimentar. Essa ajuda, argumentam os europeus, acaba sendo, sem disciplina, mais uma formar de ajudar os agricultores americanos.

Mandelson revelou a algumas delegações que estaria disposto a aceitar o prazo de 2010, com a condição de que suas demandas fossem atendidas pelos demais países. Com essa data, o final da Política Agrícola Comum (PAC) européia seria antecipado em três anos.

Ontem à tarde, o representante americano na OMC, Peter Allgeier, tentou desarmar a resistência de Mandelson. Os Estados Unidos, disse, estão prontos para atacar todas as formas de subsídio às exportações agrícolas - subvenções diretas, subvenções incluídas no crédito e as embutidas na ajuda alimentar, que ficaria reservada para casos de efetiva necessidade. Com isso, o próximo lance cabe aos europeus.

No fim da tarde, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, voltou a cobrar o prazo para o fim das exportações subvencionadas. Não há por que evitar essa definição, argumentou o ministro. Afinal, a mais importante já foi tomada e há um acordo sobre a extinção desses subsídios.

A fixação do prazo completaria um tópico das negociações e teria um valor simbólico. Daria aos ministros um resultado vistoso para exibir no final da conferência de Hong Kong. Somado a algum acordo sobre a pauta de desenvolvimento, comporia um pacote fácil de explicar e de vender à opinião pública. Os próprios ministros têm sido francos quanto a essa preocupação: precisam de algo atraente para apresentar no final dos trabalhos, mesmo que os assuntos mais importantes e complexos fiquem para mais tarde.

Todos os principais negociadores mantêm, publicamente, o objetivo de completar a Rodada Doha em 2006. Para isso, ainda terão de chegar a um acordo sobre as modalidades, as definições básicas do que será acordado. Essas modalidades incluem uma porção de itens ainda abertos, como as fórmulas de redução de tarifas, o número e o tratamento dos produtos "sensíveis" e as condições de flexibilidade que serão concedidas a países em desenvolvimento.

"Não deveríamos partir sem estabelecer uma data, bem no começo do próximo ano, para nos reunirmos de novo e rompermos o impasse, de modo que nossos negociadores possam completar o trabalho no fim de 2006", disse o secretário de Comércio Exterior dos Estados Unidos, Robert Portman.

Em discurso no plenário, Amorim disse que o G-20 se compromete a buscar um acordo completo sobre as modalidades até o fim de abril, prazo sobre o qual há um aparente consenso. Se as modalidades forem definidas até março ou abril, será possível completar até o fim do ano os muitos e complexos detalhes técnicos que tornarão aplicável o acordo.