Título: Negociações na OMC se arrastam desde 2001
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2005, Economia & Negócios, p. B12

Ministros dos 194 países que se reúnem em Hong Kong na terça-feira devem acertar apenas temas marginais

Com as ambições reduzidas, os 149 ministros da Organização Mundial do Comércio (OMC) se reúnem a partir de terça-feira em Hong Kong. A conferência ministerial, que ocorre a cada dois anos, deveria fechar um entendimento entre os países sobre como devem ser realizadas as reduções de subsídios agrícolas e os cortes de tarifas. Mas sem um acordo, Hong Kong tentará avançar apenas em temas marginais e dar as bases para que as principais decisões sejam tomadas em 2006. A atual rodada de negociações foi lançada em 2001, em Doha, poucas semanas depois dos atentados terroristas de 11 de setembro. A previsão era para que a negociação estivesse concluída em 1.º de janeiro de 2005. Seu objetivo principal é promover uma correção das regras internacionais para possibilitar que os países emergentes possam se desenvolver com o comércio. Para isso, um dos pilares do processo seria a abertura dos mercados agrícolas.

Segundo a Organização da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO), a rodada de negociações anterior, concluída há dez anos, não conseguiu acabar com as distorções no mercado internacional. De acordo com a entidade, os subsídios dos países ricos continuam altos e chegaram a US$ 275 bilhões em 2004, contra US$ 225 bilhões em 2001.

O objetivo da atual rodada era conseguir pelo menos três avanços na agricultura: abertura dos mercados, redução dos subsídios domésticos e eliminação dos subsídios à exportação. O problema é que os países ricos não aceitam tomar essas iniciativas uniletaralmente. Os países emergentes, então, concordaram em também pôr em discussão as tarifas para produtos industriais e para serviços. O primeiro estágio do processo seria entrar em um acordo sobre as fórmulas que seriam usadas para promover esses cortes de tarifas e de subsídios. O acordo precisava ser fechado no final de 2003. Na reunião ministerial daquele ano, em Cancún, americanos e europeus se uniram e apresentaram uma proposta que, para países como o Brasil, não significavam nenhuma vantagem comercial. Para não aceitar tal proposta e ainda ter de pagar com concessões nos setores industriais, o Brasil e outros países emergentes formaram o G-20, que ainda incluiu China, Índia e África do Sul, entre outros. O bloco conseguiu fazer o processo ser interrompido.

O novo prazo estabelecido foi julho de 2004, mas os ministros mais uma vez não chegaram a um acordo sobre as fórmulas.

Os europeus, por exemplo, sugeriram cortes médios de 39% em suas tarifas para produtos agrícolas, enquanto pedem uma redução de 75% nas tarifas de produtos industriais nos países em desenvolvimento. Já o Brasil quer cortes de 54% nas tarifas agrícolas e reduções de 50% em suas taxas de importação para produtos manufaturados. Os americanos, mais ambiciosos, querem corte de até 80% nas tarifas agrícolas.

Para muitos analistas e diplomatas, a pressão toda está sobre os europeus e o o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, não está sendo pressionado apenas pelos demais países, mas também internamente. O presidente francês Jacques Chirac já anunciou que vetaria um acordo em Hong Kong se Bruxelas for além de seu mandato e abrir de forma demasiada seu mercado.

Sem conseguir um acordo sobre os pontos centrais da negociação, a OMC optou por "recalibrar" suas ambições em Hong Kong e, assim, evitar mais um fracasso. "Se Hong Kong fracassasse, a Rodada Doha teria praticamente terminado", justifica Clodoaldo Hugueney, embaixador do Brasil na OMC, explicando a estratégia dos governos de esvaziar em parte o encontro dos próximos dias.

Os governos, portanto, tentarão transformar Hong Kong em uma espécie de trampolim para que novas reuniões em 2006 concluam o trabalho que deveria estar concluído na cidade asiática. O Brasil, por exemplo, irá sugerir nos próximos dias que o novo prazo para a conclusão das fórmulas seja abril, em uma espécie de "Hong Kong 2". Só assim os governos conseguiriam concluir a rodada até o final de 2006.

No texto da declaração que será avaliado pelos ministros, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, apenas cita princípios gerais de como os cortes devem ocorrer. Um deles é o reconhecimento de que, quanto maior a tarifa, maior será sua redução.

Uma das opções para os próximos dias poderia ser o estabelecimento de uma data para o fim dos subsídios à exportação. Brasil, Estados Unidos, Reino Unido e China já declararam que querem o fim desses mecanismos até 2010. Mas a UE não aceita tal data enquanto não souber o que americanos farão com seus programas de crédito para exportação.

A única certeza, até agora, é a aprovação de um pacote de medidas para ajudar o desenvolvimento dos países mais pobres e tentar salvar a imagem da OMC. Um dos pontos do pacote é o acordo de patentes, fechado há poucos dias em Genebra.

Mas o encontro ainda conta com temas explosivos. Um deles é o algodão. Os países africanos querem que o fim dos subsídios americanos ao setor até 2009. Rob Portman, representante de Comércio da Casa Branca, já avisou que o tema deve ser tratado dentro das negociações agrícolas. Colocando ainda mais lenha na fogueira, Chirac anunciou que apoiava o pedido dos países pobres.

Se todos os prazos até hoje na OMC não conseguiram ser cumpridos, os governos sabem que agora não podem mais falhar. Isso porque a autorização que o congresso americano dá à Casa Branca para negociar acordos comerciais termina no início de 2007 e, sem uma nova autorização, o processo na OMC poderá ficar bloqueado por anos.