Título: Sobre juros e Lula
Autor: Mailson da Nóbrega
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2005, Economia & Negócios, p. B11

Semana passada, a impressão geral era a de que a política monetária estaria prestes a mudar. Descontente com o ritmo de queda da Selic, Lula teria decidido dar ordens ao Banco Central para reduzir mais rapidamente a taxa de juros. Na quarta-feira, em entrevista coletiva, o presidente enterrou as especulações. Disse que o BC é autônomo para fixar essa taxa. Eu tenho uma explicação para a atitude do presidente, mas antes vale rememorar o ambiente que dava azo às especulações.

A sensação da mudança havia ficado mais forte diante das declarações de críticos da política monetária, que se sentiram com mais munição depois que o Produto Interno Bruto caiu 1,2% no terceiro trimestre. Ao mesmo tempo, ex-presidentes do BC falavam de "erro na dose" dos juros, como se tivessem aderido ao cordão dos críticos. Conclusão: o BC perdera apoio dentro e fora do governo e por isso receberia ordens para acelerar a queda da Selic.

Uma das mais fortes apostas nesse cenário foi a do jornalista Kennedy Alencar, da Folha de S. Paulo, que aludiu a fontes palacianas (um "auxiliar direto" de Lula) para dar a mudança como favas contadas.

Domingo, ele afirmou que o presidente não mudaria o rigor fiscal e monetário, mas cobraria do BC "uma redução maior e mais célere da taxa básica de juros por avaliar que o presidente da instituição, Henrique Meirelles, e seus diretores não entregarão o prometido: um crescimento econômico em 2005 de 4% do PIB".

Um ex-presidente do BC, o competente Affonso Celso Pastore, pôs a situação em pratos limpos. Ele e Maria Cristina Pinotti publicaram artigo no Valor (5/12/2005), no qual assinalaram que "é preciso separar o joio do trigo, pois há dois tipos de críticas: aquelas que decorrem de análises baseadas em sólidos fundamentos econômicos e em evidências empíricas para o Brasil e para outros países no regime de metas de inflação; e as críticas com base em meros palpites, em preconceitos ideológicos e em um péssimo entendimento sobre o funcionamento da economia".

Os autores do artigo não disseram, mas há uma diferença fundamental entre esses dois grupos. Os que questionam o BC em bases técnicas não pleiteiam uma queda forçada da Selic. Os outros querem que Lula determine a redução dos juros. Jornalistas que não pertencem a qualquer desses grupos acharam que a política monetária iria mudar, provavelmente ecoando o ambiente dos corredores do poder em Brasília.

Lula não confirmou esses prognósticos - e aqui vai minha explicação - porque sabe avaliar os custos políticos da mudança, os quais podem ser muito maiores do que os benefícios (se há algum). Dados os avanços institucionais dos últimos anos, o BC se tornou autônomo na prática e elevou o grau de qualificação técnica de suas equipes. A política monetária adquiriu previsibilidade inédita. Assim, uma ordem do presidente para o BC baixar os juros poderia provocar a renúncia da diretoria do banco, cujos membros não são militantes políticos e têm reputação a preservar.

Com ou sem renúncia, a ordem do presidente seria imediatamente detectada pelos especialistas, que perceberiam sua motivação política.

A mudança da política monetária geraria uma crise de confiança. Haveria paralisação dos negócios, fugas de capitais e alterações bruscas nos preços dos ativos, incluindo forte desvalorização cambial e quedas na Bolsa de Valores. A isso se chama "disciplina do mercado", ou seja, a mudança para pior no ambiente, que constitui uma punição para governantes irresponsáveis.

Essa dinâmica acarretaria aumento de preços e desaceleração continuada da atividade econômica. Inflação e desemprego criariam insegurança nos eleitores, que apoiariam em massa candidatos e partidos de oposição.

Resultado: derrota eleitoral. É a disciplina do eleitorado.

Lula é, na minha opinião, um dos poucos políticos brasileiros que perceberam essa dinâmica e suas conseqüências eleitorais. Fernando Henrique Cardoso, responsável por grande parte das mudanças institucionais, também entendeu. Infelizmente, a ideologia, os preconceitos e a desinformação têm inibido a generalização dessa percepção por parte de empresários, políticos e comentaristas.

É surpreendente como a ficha tampouco caiu em certas hostes tucanas, que continuam a sugerir, em declarações e artigos, que se voltarem ao poder sabem como determinar que o BC baixe os juros e eleve o câmbio.