Título: Esperança que desmorona
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

O governo Lula tem deixado escorregar entre os dedos a rara oportunidade de conduzir a economia brasileira ao crescimento progressivo, firme, sem recuos nem hesitações. Seja por incompetência, despreparo, brigas internas, corrupção ou crise política, o fato é que o governo está desperdiçando os ventos favoráveis que sopram no mundo inteiro e têm permitido taxas de crescimento acima de 6% na China, na Índia, na Rússia, na Argentina, no Chile, no México e na Venezuela. A dor da queda de 1,2% no produto interno bruto (PIB) no terceiro trimestre ainda era forte quando foi intensificada, na semana passada, pela constatação do Ipea de que, em 2005, o investimento produtivo não vai mais crescer 10,9%, como se imaginava em janeiro, tampouco 5,3% (previsão de setembro), mas ficará limitado à medíocre taxa de 0,9%. É certo que a teimosia do Banco Central em manter a taxa de juros elevada influenciou, mas a falta de um programa de governo, a indefinição de rumos, os desencontros confusos entre ministros, a oposição aberta do PT à política econômica, a corrupção, a entrega de estatais a aproveitadores, a inexperiência para governar um país da dimensão do Brasil, tudo isso levou insegurança às empresas e ao adiamento de investimentos, comprometendo o desempenho futuro da economia em 2006.

Até a descoberta do valerioduto, a boa condução da política econômica, por si só, foi suficiente para as empresas recuperarem a confiança no governo Lula. Foi assim que, a partir de setembro de 2003, produção, renda e consumo cresceram, indústrias construíram novas fábricas e o investimento privado voltou, impulsionado pela pressão da demanda. Já o investimento público não acompanhou, empacou, seja porque o governo escolheu aplicar recursos em gastos correntes (viagens, contratação de pessoal, etc.) e sacrificar investimentos, seja porque não dispunha de planejamento nem de projetos definidos para investir e os ministérios não sabiam o que fazer com o dinheiro que lá chegava.

Quando as peraltices de corrupção do PT começaram a ser desvendadas, a partir de junho deste ano, o País esperou o pior. Mas, felizmente, a economia resistiu, não sucumbiu, como ocorreu nas crises vividas pelo governo FHC. Inflação, risco País, câmbio, Bolsa de Valores e outros indicadores macroeconômicos continuaram intocados e controlados. Mas as empresas passaram a desconfiar do futuro, perceberam que o governo parou e se atrapalhava na administração da crise, o Congresso deixou de aprovar leis, normas que regulam investimentos corriam risco de mudar, a crise política desencadeou a desconfiança e projetos de investimentos voltaram para a gaveta. O efeito desse quadro foi conhecido agora, com a divulgação da queda do PIB e da projeção para investimento.

Acuado, desnorteado e tentando fugir das acusações de corrupção, o PT partiu para o que gosta de fazer: atacar. Mas, por falta de alvo certeiro, escolheu como inimigos o companheiro petista Antonio Palocci e sua política econômica - justamente o que deu certo no governo. Denúncias contra sua administração em Ribeirão Preto enfraqueceram Palocci e deram ânimo para outros ministros reforçarem o coro dos ataques do PT. O presidente Lula não freou e discretamente até tem estimulado o conflito. Lula e o PT querem ignorar, mas ajudaram a construir um ambiente de incertezas especialmente propício à queda do investimento. Quem tinha intenção de investir olha ao redor, pára, pensa e escolhe a cautela: melhor não decidir agora, esperar passar a confusão.

E a confusão vai continuar porque há uma eleição pela frente - e eleição é o anabolizante, o fermento que alimenta, anima, dá alegria, gera conflitos e ocupa o tempo do PT. A disputa entre Marta Suplicy e Aloizio Mercadante pelo governo de São Paulo é uma pequena mostra. E a eleição também abriu tardiamente os olhos de Lula para os esquecidos e desprezados investimentos públicos em infra-estrutura. Se não investir agora, não terá obras para inaugurar em 2006. Mas como gastar com eficácia? Eis a questão para a qual o governo Lula não tem resposta. E, como já assumiu ares de questão de honra para o governo reduzir o superávit primário para 4,25%, é grande o risco de haver desperdício de dinheiro em projetos não prioritários e arranjados às pressas. Triste desenlace para um governo que começou com a esperança de muitos milhões de brasileiros.