Título: União Européia quer tirar foco da agricultura
Autor: Jamil Chade, Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2005, Economia & Negócios, p. B11

Questão agrícola é central para G-20, grupo liderado pelo Brasil; europeus querem destaque para produtos industriais e de serviços

O grande choque da Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio deve ser entre a União Européia(UE), que decidiu tirar a agricultura do centro da negociação, e o Grupo dos 20 (G-20), que quer a agricultura como tema central da Rodada Doha. "Chega de agricultura", disse ontem um funcionário na reunião do Conselho de Ministros de Agricultura e Comércio da União Européia, na qual o comissário de Comércio Peter Mandelson recebeu instruções para puxar as discussões para o comércio de produtos industriais e de serviços.

Pouco depois, num painel organizado pelo Banco Mundial, Mandelson voltou as baterias contra o Brasil e afirmou que as negociações seriam pouco ambiciosas se fossem concentradas nas questões agrícolas.

Os europeus decidiram rejeitar sumariamente a proposta do G-20 de elevar de 47% para 54% os cortes nas tarifas de importação de produtos agrícolas e exigiram que os demais países mostrem suas concessões para o comércio de bens industriais.

Horas mais tarde, Mandelson disse desconhecer a proposta brasileira de cortes de cerca de 50% em suas tarifas industriais consolidadas, isto é, registradas na OMC. Ele assegurou que os delegados brasileiros nunca apresentaram essa proposta por escrito.

Os ministros do G-20, o grupo de emergentes criado em 2003 por iniciativa do Brasil, também se reuniram pela manhã e distribuíram comunicado afirmando que o objetivo das negociações deve ser "um progresso substantivo e significativo no tema da agricultura".

As maiores distorções estruturais do comércio internacional são produzidas, diz o documento, pela combinação de tarifas elevadas, apoio interno e subsídios à exportação de produtos agrícolas, "em benefício de fazendeiros ineficientes dos países desenvolvidos". A remoção dessas distorções é apontada como "o objetivo nuclear da Rodada Doha".

No campo contrário, o governo alemão, principal fornecedor de recursos para o orçamento agrícola da UE e, por isso, um dos mais favoráveis à redução dos subsídios, juntou-se aos países mais protecionistas, como a França, contra maiores concessões em matéria de agricultura.

A posição desses países foi sintetizada pelo vice-ministro da Agricultura da Itália, Scarpa Buora. Se a UE aceitar a proposta brasileira de um corte de 54% nas tarifas, será necessária uma nova reforma da Política Agrícola Comum (PAC), o que, segundo ele, está fora de questão. Enquanto isso, acrescentou, Brasil e outros países não dizem claramente o que podem oferecer em relação aos produtos industriais.

Ele poderia reclamar um pouco mais, se soubesse da carta que ministros do Brasil e de mais oito países (Argentina, Índia, Indonésia, África do Sul, Filipinas, Venezuela, Namíbia e Egito) mandariam, ontem, ao presidente da Conferência Ministerial, o secretário de Comércio, Indústria e Tecnologia de Hong Kong, John Tsang. Os ministros cobram a observância de diretrizes da Rodada Doha, que incluem corte de tarifas de importação, eliminação de picos tarifários dos países ricos e condicionamento do resultado das negociações de acesso a mercados para produtos não agrícolas de acordo com o que for alcançado no caso da agricultura.