Título: Mandelson tenta dividir países emergentes
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2005, Economia & Negócios, p. B6

Negociador europeu busca o apoio dos países mais pobres e procura isolar o Brasil

Tentar dividir os países em desenvolvimento, para conquistar o apoio dos pobres, foi a tática usada ontem, explicitamente, pelo comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson. "É preciso não confundir os interesses dos grandes exportadores agrícolas com os interesses dos países em desenvolvimento", disse o comissário durante um painel promovido pelo Banco Mundial.Tradução: os objetivos de países como o Brasil, nas negociações internacionais de comércio, não servem para os pobres. A tática não é nova. Quando Brasil, Austrália e Tailândia venceram processo contra os subsídios europeus à exportação de açúcar, Mandelson afirmou que os países pobres da África, do Caribe e do Pacífico, também conhecidos como ABC, seriam prejudicados. A União Européia favorecia esses países na importação de açúcar e reexportava o produto com subvenção.

Mandelson também criticou indiretamente o Brasil e outros países do Grupo dos 20 ao falar sobre as ambições da Rodada Doha de negociações comerciais. A solução para os países em desenvolvimento, segundo o comissário, dependerá da ambição na busca de resultados. Mas a rodada será menos ambiciosa, acrescentou, se as discussões forem concentradas em agricultura, com menor atenção a outros itens.

Segundo o G-20, que inclui, China, Índia, Argentina e outros emergentes, agricultura tem de ser o foco da rodada porque esse foi o mandato definido em Doha. O progresso na reforma do comércio agrícola, segundo o grupo, é condição para o progresso nas demais linhas de negociação.

Mandelson completou o esforço de sedução anunciando que a União Européia aumentará dos atuais 400 milhões para 2 bilhões, em 2010, a ajuda relacionada ao comércio internacional. O auxílio se destina à criação de capacidade técnica e administrativa para o desenvolvimento comercial dos países pobres. "A Europa não veio a Hong Kong de mãos vazias de ajuda para o comércio", disse o comissário.

Detalhe final: a opinião de Mandelson sobre os interesses dos grandes exportadores agrícolas foi exatamente oposta à do Banco Mundial, apresentada num documento distribuído na mesma sessão.

Segundo o documento, alguns industrializados justificam sua proteção à agricultura argumentando que a abertura de mercado "será absorvida produtores em desenvolvimento grandes e competitivos (como o Brasil) e não pelos países pequenos e pobres".

O documento assinala, em seguida: 1) grandes países em desenvolvimento também têm pobres (20% dos brasileiros vivem com menos de US$ 2 por dia); 2) mesmo que grande parte do novo mercado seja absorvido por grandes produtores em desenvolvimento, a liberalização elevará os preços (com o fim dos subsídios) e os países pobres ganharão com isso.

Os subsídios ao algodão tiram US$ 150 milhões por ano dos países da África Ocidental; 3) países pobres têm vantagem comparativa na agricultura e seu setor agrícola é importante fonte de renda.