Título: G-20 e UE disputam os mais pobres
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2005, Economia & Negócios, p. B6

Os europeus querem afastar a reforma da política agrícola do centro das discussões no encontro da OMC

O Brasil e seus parceiros do Grupo dos 20 (G-20) estão disputando com a União Européia (UE) os corações e mentes dos mais pobres. Os dois contendores tentam mobilizar forças para as negociações da 6ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), aberta oficialmente ontem à tarde. No centro da disputa está a reforma da política agrícola, que os europeus tentam tirar do centro das discussões. Por proposta do G-20, coordenado pelo Brasil, reuniram-se no começo da noite ministros de cerca de 110 países da Ásia, da África, da América Latina e do Caribe, alguns emergentes, a maioria pobre. O grupo de que participa o Brasil foi formado em 2003 para a negociação agrícola. China, Índia, Argentina e África do Sul são alguns de seus membros mais influentes. Um dos objetivos da aproximação com outras economias em desenvolvimento é neutralizar a ação da União Européia, que se apresenta como defensora dos mais pobres, comentou o diplomata Flávio Damico, chefe do Departamento de Produtos de Base do Itamaraty. A idéia é ver se é possível 'incluir no processo de negociação as convergências e encapsular as divergências', acrescentou o diplomata.

O chanceler Celso Amorim, horas mais tarde, mencionaria a importância de definir objetivos comuns aos vários grupos de países em desenvolvimento para 'evitar a manipulação por outros'. De manhã, o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, havia anunciado que a ajuda do bloco para capacitação comercial dos países pobres passará de 400 milhões anuais para 2 bilhões em 2010.

HORA DE AGIR

O ministro brasileiro reafirmou, nesse encontro, a disposição do Mercosul de facilitar o ingresso de produtos exportados por economias mais pobres. Essa intenção foi enfatizada no discurso preparado para apresentação na manhã desta quarta-feira na primeira sessão plenária da conferência.

'Esta rodada', segundo Amorim, 'deveria resultar num firme compromisso dos países desenvolvidos de proporcionar acesso livre de tarifas e de cotas a produtos dos países menos desenvolvidos.' O Brasil e seus parceiros do Mercosul, escreveu o ministro, estão preparados para avançar na direção de 'acesso livre de tarifas e de cotas para os menos desenvolvidos, especialmente da África e da América Latina'.

Amorim reafirmou nesse texto que é preciso eliminar ou reduzir todas as formas de subsídios à agricultura e que o comércio agrícola deve ser o centro da Rodada Doha. 'Os países pobres não podem esperar mais 20 anos para ver uma reforma verdadeira do comércio agrícola. Esta é a hora de agir.'

A liberalização comercial, segundo o ministro, ainda não criou prosperidade para todos porque foi desequilibrada, sem que as necessidades diferenciadas dos países pobres fossem consideradas. A deficiência de desenvolvimento, afirmou, resulta em grande parte da deficiência do sistema de comércio agrícola. Agora, acrescentou, 'os países ricos não podem esperar pagamento por fazer o que deveriam ter feito há muito tempo'.

AVANÇOS LIMITADOS

Os avanços nesta conferência serão limitados, admitem os principais negociadores, mas haverá um esforço para evitar um impasse total. Na terça à noite, o secretário de Comércio, Indústria e Tecnologia de Hong Kong, John Tsang, presidente da conferência, comandou a primeira reunião de um grupo selecionado de ministros para desbastar os principais problemas.

Participaram 26 negociadores, em nome de Estados Unidos, União Européia, Brasil, Argentina, México, Costa Rica, China, Índia, África do Sul e outros países representativos de grupos, categorias ou regiões.

Reuniões desse tipo são informais e seu objetivo declarado é facilitar o exame de problemas e o encaminhamento de soluções, tarefa complicadíssima se representantes de todos os países participassem.

Esses encontros são identificados, tradicionalmente, pela expressão 'green room' (sala verde), reminiscência do tempo em que meia dúzia de ministros tomava as decisões principais nas negociações do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt).

As discussões informais se mantêm, mas com participação muito mais ampla. 'Green room, como todos sabem, é algo que não existe', havia dito no discurso inaugural da conferência o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. Todos riram e à noite ele participaria da primeira reunião desse tipo na atual conferência.