Título: Choque no pensamento, não na economia
Autor: Josef Barat
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

Mais um ano medíocre, acrescendo-se aos 25 anos em que o crescimento médio anual do produto interno bruto (PIB) mal cobriu o crescimento da população. Portanto 25 anos de renda per capita estagnada. Uma geração sacrificada em nome das políticas de estabilização de curto prazo, da falta de visão de longo prazo e, agora, dos chamados "fundamentos consistentes da política econômica". A última notícia da queda de 1,2% do PIB no trimestre causou decepção e frustração. Até que a queda era prevista, mas não se imaginava tanto. Agora, as previsões atualizadas apontam um crescimento do PIB entre 2% e 2,5% no ano. A crise política é um mero pretexto. Na verdade, a reversão do desaquecimento já era sinalizada bem antes das primeiras denúncias de corrupção. Mas, pensando bem, poderia ser de outro jeito? Com esses "fundamentos" seria possível crescer acima de medíocres 3%? A pergunta que se faz, neste momento, é a de até quando poderemos sonegar a esperança de futuro para toda uma geração? É triste constatar que, nem os economistas "do mercado", nem os da "velha esquerda" têm respostas convincentes para ela. Os economistas vivem uma situação esquizofrênica em que prevalece a dissociação e a assintonia que levam às visões fragmentadas e à perda de contato com a realidade social. Trocando idéias recentemente com o talentoso economista Paulo Rabello de Castro, nos perguntávamos o porquê da indigência do debate econômico no País. Por que prevalece a opinião de que as coisas não vão bem, de que é preciso mudar, mas não se apresenta ao País uma visão transformadora, capaz de oferecer perspectivas de longo prazo para a sociedade brasileira? Por que os economistas não têm sido capazes simplesmente de dizer para esta geração que vive na pele a estagnação - e que, em 2025, estará na plenitude da sua capacidade de trabalhar e assumir responsabilidades - quais serão as vantagens e os obstáculos para viver no Brasil? Por que não se consegue formular uma visão sólida e mais integrada acerca do futuro da sociedade, da economia, da qualidade de vida e dos recursos humanos diante das avassaladoras inovações tecnológicas e culturais? Afinal, o Brasil pertencerá ainda ao chamado Terceiro Mundo ou seremos mais prósperos? Conseguiremos eliminar a pobreza e as desigualdades? Teremos um papel importante e mais decisivo na globalização? Haverá mais oportunidades de trabalho e progresso ou seremos um país exportador de pessoas? Agora que finalmente cai o nosso "Muro de Berlim" ideológico, será que não daria para deixar de lado as discriminações (e limitações) da direita e esquerda, sair do estado de cretinismo (no sentido clínico) e tentarmos consolidar uma visão consistente de futuro? Será que não se pode transcender, tanto os queixumes e ranhetices do mundo acadêmico - saudosos do Muro - quanto às visões pasteurizadas dos economistas "do mercado" - que imaginam a economia como uma espécie de Disney World do mundo financeiro? Mais do que nunca, é inadiável o debate amplo e aprofundado sobre as alternativas, vocações e caminhos do desenvolvimento do País. Um debate abrangente, que possa integrar visões estruturais relacionadas com economia, sociedade, instituições, tecnologia, ciência, educação e cultura. Mas para isso é necessário romper o círculo de ferro da unicidade que pauta o debate por mais de uma década e acomete ainda o pensamento econômico brasileiro. Na verdade, o que precisamos mesmo é de uma "Semana de Economia Moderna", a exemplo do movimento que, nos anos 20 do século passado, sacudiu a cultura brasileira e abalou os alicerces dos padrões estéticos estabelecidos. Mas onde estão as Tarsilas e Malfattis, os Oswalds e Mários da Economia? Onde estão aqueles que efetivamente poderão dar uma resposta às incertezas dos jovens e contribuir para um projeto de longo prazo de nação? É preciso que sejamos capazes de dar um choque no pensamento econômico, romper velhos padrões, desconfiar dos novos que estão sendo impostos, abrir os horizontes, mudar e desbravar novos rumos. Difícil? Com certeza. Mas, se olharmos para o passado - apesar da atual arrogância de muitos -, veremos que já houve sinais expressivos de vida inteligente no Brasil. Se for possível promover no debate econômico os desdobramentos que tivemos na visão de nós mesmos após 1922, estará prestando-se uma relevante contribuição à retomada do desenvolvimento. Parafraseando Mário de Andrade, não seria possível aos economistas "botar um bocado mais de responsabilidade humana coletiva" em seu trabalho ?