Título: Autodeclaração pode explicar aumento
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2005, Vida&, p. A20

A constatação de que o Brasil tem mais índios que se imaginava surpreendeu antropólogos, demógrafos e outros pesquisadores que participaram do estudo do IBGE. Não há explicações claras para tamanho crescimento, mas hipóteses, conforme explicam nesta entrevista Elizabeth Brêa, antropóloga e assessora da presidência da Funai, e Nilza Oliveira Pereira, responsável pelo projeto que incluiu o índio nas estatísticas sociodemográficas oficiais brasileiras. Como explicar um aumento tão grande da população indígena?

Elizabeth Brêa - Na verdade, a população indígena vem apresentando crescimento superior à média nacional desde a década de 70, invertendo a curva que prevaleceu ao longo dos anos 50 e 60, quando se chegou a falar em uma futura extinção da população indígena. Mas é claro que isso não explica a taxa de 10,8% ao ano. O mais provável é que um grande número de pessoas, por razões que ainda precisarão ser analisadas e que antes se diziam de outra cor ou raça passaram a se autodeclarar índias.

Nilza Oliveira Pereira - Esta é a hipótese que achamos mais provável. Se analisarmos o Censo de 2000, o tempo médio de residência nas áreas onde foram encontradas é superior a 10 anos. Quer dizer: elas, ou uma grande parte delas, já estavam lá em 1991, mas por razões que desconhecemos não se autodeclararam índios naquela ocasião. É o que a Elizabeth chama de sair da invisibilidade. De qualquer forma, podemos descartar totalmente que esse crescimento seja um simples efeito demográfico.

A autodeclaração é um método confiável para medir a população indígena?

Nilza - No caso dos índios, esse critério terá de ser aperfeiçoado. É preciso cruzar a autodeclaração com outros fatores étnicos ou lingüísticos, entre outros. Seguramente isso será feito já no Censo de 2010.

Elizabeth - Acho que antes disso. A Funai tem plano de realizar em 2006, com o IBGE, um censo só sobre a população indígena para aprofundar esses dados. Concordamos que é preciso aprimorar o critério de reconhecimento dos indígenas, que não seja apenas a autodeclaração.

Pelos dados do estudo podemos dizer que a situação do índio brasileiro de fato melhorou na década passada?

Elizabeth - Há um grande esforço neste sentido. A sociedade está mais apta a ouvir os índios e isso contribui, não sei se em termos de condições, mas numa perspectiva melhor de vida para o índio no Brasil. Em abril, realizaremos a 1.ª Conferência dos Povos Indígenas e aí sim teremos dados mais precisos para medir os avanços concretos sobre condições de vida.

Nilza - Mesmo que não seja possível afirmar que houve uma melhora na qualidade vida, acho que o simples fato de termos incluído definitivamente a população indígena nas estatísticas sociodemográficas oficiais já justificaria o desafio a que nos propusemos.

Com explicar que São Paulo e Minas, juntos, tenham mais índios que o Amazonas?

Nilza - Nem sempre essas pessoas que se autodeclaram indígenas têm alguma relação direta com os povos indígenas. Muitas, principalmente no Norte e Nordeste brasileiro, têm na família um caso de avô ou avó que era índio. Ao migrarem para o Sudeste, não necessariamente agora, levaram essa descendência em conta na hora de autodeclararem índias.

A Funai considera essas pessoas índios?

Elizabeth - A Funai tem como atribuição constitucional assistir e promover políticas públicas para índios residentes em terras indígenas. Não significa ignorar os que não estão nessas áreas, mas a prioridade são aqueles nas 604 terras indígenas reconhecidas pelo governo. R.P.

Elizabeth Brêa: Antropóloga

Nilza Oliveira Pereira: Coordenadora do estudo do IBGE