Título: 150% mais pessoas se declaram índios
Autor: Robson Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2005, Vida&, p. A19

A explosão, em um período de dez anos, surpreendeu o IBGE e a Funai. Os técnicos procuram explicações

A população indígena brasileira - autodeclarada - cresceu 150% em uma década. De 1991 a 2000, passou de 294 mil para 734 mil. O crescimento médio anual do número de índios foi de 10,8%, incrivelmente superior à taxa de 1,6% dos brasileiros como um todo. Os 440 mil índios que surgiram entre 1991 e 2000 superam todas as expectativas. A informação surpreendeu não apenas os especialistas do IBGE, responsáveis pelo estudo "Tendências Demográficas: Uma Análise dos Indígenas", feito com dados dos censos 1991 e 2000 e divulgado ontem pelo órgão, como à própria Fundação Nacional do Índio (Funai).

"As pessoas não têm mais vergonha de se identificar como índios ou descendentes deles. Saíram daquele clima de obscuridade que era determinado pelo preconceito. Embora ainda exista, a carga de preconceito não é mais tão grande", diz Roberto Lustosa, presidente interino da Funai, buscando uma explicação para o crescimento.

"Existem algumas hipóteses, mas nenhuma delas sozinha é capaz de explicar tamanho crescimento em tão pouco tempo", admite Nilza de Oliveira Pereira, coordenadora do trabalho. "A única certeza é que a invisibilidade dos índios diminuiu", diz a antropóloga Maria Elizabeth Brêa, também da Funai. Por essa hipótese, muitos índios que antes se declaravam brancos ou pardos passaram a se definir como índios. "Acho a mudança na auto-identificação mais provável que um efeito demográfico."

Outra hipótese levantada pelo IBGE e por especialistas no assunto seria a chegada de imigrantes de países com alto contingente indígena (como Bolívia, Equador, Paraguai e Peru). Mas o Censo 2000 registrou apenas 4.479 índios estrangeiros no País.

De acordo com o levantamento, 45% das pessoas que se autodeclaram índios em 2000 residiam nas 604 terras indígenas reconhecidas pelo governo. Essas áreas estão em 437 municípios, ou 12,5% do território nacional. A imensa maioria está na Amazônia Legal. Quando fora das aldeias, porém, os índios se dispersam. O IBGE mostra que existe pelo menos um deles em 65% dos municípios (3.500 cidades).

O crescimento maior do número de índios se deu no Sudeste, 20,5% ao ano, quase o dobro da média nacional. A menor foi registrada justamente na Região Norte (6,2%), onde há mais reservas. Por conta dessa diferença, a região Norte, que em 1991, concentrava 42% dos índios, passou a abrigar 29% do total. E o Sudeste, que respondia por 10,4% do contingente, agora tem 22%. Esta região passou a ser residência de 161 mil índios, cinco vezes mais que no início da década passada.

INUSITADO

Nessa nova geografia, há situações inusitadas. São Paulo, com 64 mil índios, e Minas Gerais, com 49 mil, juntos concentravam há cinco anos uma população indígena semelhante à do Amazonas, que tem 115 mil e é o Estado com o maior contingente indígena. O ranking das cidades também surpreende. O primeiro lugar fica com São Gabriel da Cachoeira (AM), com 22,5 mil índios. Mas, em seguida, aparecem Salvador, com 18,7 mil; São Paulo, com 18,6 mil; e Rio, com 15,6 mil.

Na região Sudeste, uma em cada três pessoas que se declararam como índias nasceu em outra região do País - a maioria no Norte e Nordeste. Nas outras regiões, as taxas de migração foram reduzidas. Mesmo assim, o número de índios nascidos no Sudeste também aumentou no período analisado. Eles eram 7,9% em 1991 e passaram a 17,5% em 2000. Esse porcentual coloca o Sudeste à frente da Centro-Oeste, onde 13,1% dos índios dizem ter nascido lá. No censo anterior, o Centro-Oeste aparecia como a terceira principal origem da população indígena.